Por Alice Sosnowski (redacao.vocesa@abril.com.br) 01/10/2012
Filósofo, escritor e professor, Mario Sergio Cortella é um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade. Mestre e doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ele trabalhou com o educador Paulo Freire que também orientou seu doutorado.
Com 14 livros publicados, Cortella tornou-se uma figura requisitada em grandes empresas por conseguir traduzir com clareza assuntos como ética, moral e liderança. Um depoimento de Cortella poderá ser visto no documentário "Eu Maior", filme sobre conhecimento pessoal e felicidade que entrevistou 25 personalidades, entre eles o psiquiatra Flávio Gikovate, o surfista Carlos Burle e a ex-ministra Marina Silva.
Em seu livro mais recente "Vida e carreira - um equilíbrio possível?", lançado em 2011 em parceria com o consultor Pedro Mandelli, Cortella discorre sobre o sonho de conciliar a vida pessoal com uma carreira bem sucedida. Felicidade e vida equilibrada também são os temas da entrevista a seguir.
A felicidade sempre foi o ideal do ser humano. É possível encontrá-la no trabalho?
É importante saber o que realmente significa a felicidade. Ela é uma vibração intensa, uma sensação de vitalidade que nos atinge em cheio e dá um gosto imenso por estarmos vivos. Mas a felicidade é episódica, uma ocorrência eventual, inclusive porque a vida é carregada por momentos de turbulência. Ninguém pode ser feliz o tempo todo. Isso seria uma insanidade e poderia gerar um stress na nossa capacidade mental. Por isso, há momentos em que a felicidade pode ser favorecida, como no local de trabalho ou na carreira, por exemplo.
Se para algumas pessoas, ela representa o acúmulo de bens materiais, para outros, é o reconhecimento por algo que se está fazendo. Receber elogios de um cliente ou do chefe, neste sentido, proporciona uma vibração momentânea de alto nível.
Então precisamos de reconhecimento para sermos felizes?
Reconhecimento é uma das maneiras mais usais de obtenção de felicidade no trabalho. Nós nos conhecemos de maneira subjetiva. Lembre-se que o espelho nos mostra de forma invertida. Por isto, necessitamos das outras pessoas, sim. Quando o reconhecimento é externalizado, a sensação de felicidade é intensa. É o que experimenta um músico quando a plateia o aplaude. Ou um executivo, com o aumento da lucratividade da empresa. No mundo do trabalho, a felicidade é produzida pelo reconhecimento. E ele pode ser financeiro ou vir por meio de um agradecimento.
De que forma o senhor percebe a busca dos mais jovens pela realização profissional?
Eu nasci em meados da década de 1950. Minha geração buscou essencialmente a estabilidade como meta. O emprego estável era o que mais oferecia esta condição. Já as novas gerações procuram experiências. Elas querem fazer da vida uma possibilidade de experimentar várias coisas. A atual geração vive a agitação, que significa velocidade, instantaneidade, simultaneidade e mobilidade.
Esta busca frenética por experiências não torna tudo muito superficial?
Sim. Infelizmente, muitos estão em busca da euforia, que é algo que desaparece rapidamente. Felicidade é muito mais denso do que isto. As novas tecnologias ofereceram não apenas velocidade ao mundo, mas também pressa. E não se pode confundir velocidade com pressa. Fazer algo velozmente é sinal de perícia. Mas, fazer apressadamente é sinal de descontrole. Isso tudo gera um descompasso muito sério, porque a vida é maratona e não uma disputa de 100 metros rasos. Na maratona, há momentos para acelerar e para reduzir. É necessário tirar vantagem da velocidade, e não da pressa.
Mas como transportar isto para o mundo do trabalho, onde tudo é instantâneo?
Vivemos uma realidade multifacetada e, por isto, temos que aproveitar esta simultaneidade das gerações e dos tempos. Eu, às vezes, caminhando pela rua, tenho a impressão que estou nos anos 70, um quarteirão adiante estou nos anos 80 ou 90. As pessoas mesclaram esta multiplicidade na moda, no mercado e no trabalho. O século XX inteiro está junto nos 10 primeiros anos do século XXI. Esta é uma característica dos tempos que estamos vivendo. Precisamos ter consciência disso e tirar proveito do conjunto de habilidades que cada uma das gerações conseguiu desenvolver. Unir o senso de urgência dos mais jovens com a experiência dos profissionais com mais idade é benéfico. Claro, que isto exige humildade intelectual e também capacidade de lidar com a diversidade. É como uma orquestra: a beleza está na harmonia do conjunto. Pensar as empresas como uma orquestra ajuda bastante.
Mas as empresas estão preparadas para lidar com estes desafios?
O escritor Guimarães Rosa dizia que o sapo não pula por boniteza, mas por precisão. As empresas precisam se reinventar ou ficarão ultrapassadas. Por isso, as empresas que têm capacidade de antecipação e sabem aproveitar as habilidades e expertises de cada geração são mais inteligentes. Afinal de contas, o ativo mais poderoso de uma organização é o seu estoque de conhecimento.
Capacidade de antecipação vale para a carreira de um profissional também?
Sempre que alguém me pede um conselho de carreira, eu lembro de uma frase do Chico Xavier. Ele dizia: "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim". O profissional tem que prestar atenção nisso. Acredito que a reinvenção contínua é aquela que projeta algo que seja mais do que a mera repetição do que já se tem. Uma carreira fértil é aquela que inova, que traz para o presente aquilo que realmente tem importância e descarta o que envelheceu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário