Augusto Nunes
O país que aplaude o Supremo pela condenação dos mensaleiros é o mesmo que elege um Congresso com cara de clube dos cafajestes, que trata a pontapés a honestidade. O país que promoveu Joaquim Barbosa a herói popular é o mesmo que, a cada quatro anos, ratifica a supremacia dos casos de polícia no Poder Legislativo. O país que admira a face clara contempla a escura com bovina mansidão. Decididamente, o Brasil não é para amadores.
E surpreende até quem acha que já viu tudo, informa o espetáculo do absurdo encenado na Praça dos Três Poderes. A sucessão de espantos chegou ao clímax nesta quarta-feira, com a molecagem arquitetada por um octogenário: foi José Sarney o pai da ideia de votar numa única sessão mais de 3 mil vetos presidenciais acumulados desde o começo do século. Para derrubar o veto de Dilma Rousseff que modificou a nova distribuição dos royalties do petróleo, o Congresso mais preguiçoso do mundo resolveu fazer em algumas horas o que não fez durante 12 anos.
Os gerentes da Casa do Espanto e da Mansão dos Horrores primeiro tentaram furar a fila. Barrados pela liminar do ministro Luiz Fux que proibiu a esperteza inconstitucional, Sarney sucumbiu a um ligeiro surto de coragem. “A decisão usurpa prerrogativa do Poder Legislativo e o deixa de joelhos frente a outro Poder”, protestou no recurso encaminhado ao STF. Como se o Congresso não estivesse de joelhos diante do Executivo desde que foi amestrado por Lula. Como se não vivesse de quatro para os próprios interesses corporativistas.
Por saber disso, Sarney voltou no mesmo dia ao estado normal. Em vez de desafiar o Supremo, preferiu torturar a lógica, estuprar a sensatez e enterrar 3 mil vetos na mesma cova rasa. O cansaço chegou antes do começo do trabalho. Exauridos pela fabricação de tantas pilantragens em tempo tão curto, o chefão do Senado e Marco Maia, presidente da Câmara, resolveram armazenar energias para as festas do fim do ano. Fechado o picadeiro, a noite no circo ficou para 2013.
“Temos o vício insanável da amizade”, ensinou em fevereiro de 2009 o deputado Edmar Moreira, dono de um castelo de R$ 20 milhões que escondeu na roça para escapar do imposto de renda. Esse vício explica, por exemplo, a resistência do presidente da Câmara, Marco Maia, à cassação dos mandatos dos deputados condenados no julgamento do mensalão. Também ajuda a entender por que tramitam no Legislativo tantos projetos concebidos para suprimir poderes e amputar atribuições do Supremo ou do Ministério Público. Um deles proíbe promotores de Justiça e procuradores de contribuírem para o esclarecimento de crimes e a identificação dos culpados.
Há outros vícios, favorecidos pela erradicação da vergonha consumada por todos os partidos. Nesta terça-feira, por exemplo, o sepultamento da CPI do Cachoeira foi o desfecho de uma missa negra celebrada em conjunto por sacerdotes companheiros, aliados e oposicionistas. O PT conseguiu livrar do relatório final o governador Agnelo Queiroz. O PMDB, interessado em proteger a Construtora Delta e o governador Sérgio Cabral, juntou-se ao PSDB, decidido a resgatar o governador Marconi Perillo, para rejeitar o papelório produzido pelo relator Odair Cunha. Os três partidos logo estarão de mãos dadas para instalar Renan Calheiros na presidência do Senado.
A desfaçatez do Legislativo, que age de mãos dadas com o Executivo, ameaça o equilíbrio entre os Poderes que o Judiciário tenta preservar. Os inimigos do Estado Democrático de Direito estão cada vez mais atrevidos. Para eles, o perigo mora no Supremo. Para quem vê as coisas como as coisas são, o perigo está acampado em instituições controladas por figuras e partidos que se julgam acima e à margem da lei.
Graças ao julgamento do mensalão, o ano terminou com a derrota dos carrascos da verdade, castigados nesta quarta-feira por outra má notícia: o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao STF a imediata prisão dos condenados. “Em 2013, o bicho vai pegar”, miou Gilberto Carvalho em nome dos vilões que querem mudar o fim do filme. É bom que venham preparados. O Brasil decente vai reaprendendo a vencer.
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