A guerra civil na Síria já tomou proporções grandes o suficiente para que o Brasil retirasse seus diplomatas do país. Foram 7 meses de espera até que o Itamaraty tomasse a decisão. Em 20 de julho a embaixada brasileira foi transferida para o Líbano e, com ela, seus respectivos diplomatas. O próprio Itamaraty justificou a atitude pela falta de segurança e o ministro Antonio Patriota explicou: “A situação está se deteriorando e há um grau elevado de imprevisibilidade”. A mudança aconteceu logo após a morte do ministro da Defesa do país, o general Daud Rajha. Mas a saída dos diplomatas não significou um corte nas relações diplomáticas e, muito menos, deixou de ser mantida a imparcialidade brasileira diante do conflito instalado, mesmo tendo o Ministério aumentado seu tom de dureza. ...
Quase um mês depois, o embaixador da Síria no Brasil, Mohammed Khaddour, convidou os diplomatas brasileiros a retornarem ao país e aproveitou para nos tecer elogios. Ele afirmara não ter visto mudança na posição brasileira diante do regime e que o Brasil tem mantido uma política coerente a favor do diálogo. Aproveitou para classificar os rebeldes como terroristas.
Mas a declaração do embaixador contrasta com as posições brasileiras dos últimos meses. Em maio, Patriota afirmou que “a disposição para um diálogo não deve ser caracterizada como elogio; é o mínimo que se espera”. Já no início de junho, a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo fez um pronunciamento duro no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Segundo ela, “é imperativo que o governo sírio coopere plenamente com a Missão de Supervisão da ONU na Síria”, e que “o Brasil insta a Comissão de Inquérito a investigar as mortes e estabelecer responsabilidades por esses crimes”.
Em julho, antes de retirar seus diplomatas, o Itamaraty emitiu nota afirmando tomar, finalmente, conhecimento “com grande preocupação” da utilização de armas pesadas contra os civis sírios. A posição oficial do governo foi de que “o Brasil insta o governo sírio a romper imediatamente quaisquer ações militares contra civis desarmados”. A embaixadora brasileira na ONU, Maria Luiza Ribeiro Viotti, classificou o conflito como guerra civil, sendo a demonstração mais forte do Itamaraty diante da crise. Já a presidente Dilma não descartou que o Brasil adote as sanções econômicas ao governo de Assad e declarou que “o país está aberto a qualquer discussão a respeito”.
Enquanto isso o Irã, um dos maiores aliados de Assad, convidou o Brasil a participar de uma reunião, que aconteceu no último dia 9, sobre a crise na Síria. O Brasil não participou com o argumento de que apoia discussões multilaterais e não as paralelas.
O Itamaraty tem se mostrado mais duro frente às ações do ditador Assad, mas não apoia qualquer intervenção militar. O Brasil, historicamente, mantém uma posição de suporte ao diálogo e tenta se mostrar ao mundo como um país pacífico que defende a soberania de qualquer Estado. É como dizer que – pelo que parece na lógica do Itamaraty, qualquer país que sofra uma guerra civil com proporções tamanhas como a da Síria, mereça passar por todos os processos internos sem grandes intervenções externas para chegar à democracia. É como dizer: deixe que eles se resolvam, mas vamos observar.
Do outro lado, parece que o embaixador sírio não tem prestado atenção ao tom brasileiro ou fechou os olhos para o que acontece no próprio país. Diante das declarações do Itamaraty, da retirada dos diplomatas de Damasco, do tom endurecido dos nossos embaixadores na ONU, Khaddour ainda afirma que não viu mudanças na posição brasileira frente à crise. É um reflexo do próprio regime de Assad, que tapa o sol com a peneira e tenta abrandar declarações e esconder fatos reais. Estejam os rebeldes ou o próprio regime errados ou não, a escalada de violência já causou a morte de mais de 20 mil pessoas, a maioria inocente, e ambos os lados não querem ceder. E a China e a Rússia, dois países com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, são aliados de Assad. A briga dentro da ONU sobre o que fazer e o que não fazer é tão dura e lenta como a guerra-civil na Síria.
Só para registrar: Lula visitou Assad na Síria, em 2003, e foi retribuído, em 2010, com a vinda do ditador ao Brasil. Na época não se falava em guerra-civil e os dois presidentes assinaram diversos acordos de cooperação. Da visita de Lula até a vinda de Assad, o comércio bilateral passou de US$ 78 milhões para US$ 307 milhões, em 2009.
*Leonardo Dalla é jornalista da área internacional e colaborador semanal do Blog
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