QUADRILHA REUNIDA
Da esq. para a dir. Michael Douglas Nascimento, Lucas Bispo,
Rodolfo Silva, o menor R., William Santos Góis, Luiz Guilherme
de Souza, Alexandre França Costa e Vítor Mendes Rodrigues Lima
A galera do “rela”, gíria em alusão aos sequestros relâmpagos, queria viver como playboy. Vestia roupas de grife, cujos preços poderiam chegar a R$ 1,8 mil por peça, dirigia carros turbinados, exibia relógios luxuosos e promovia festas particulares no litoral paulista regadas a uísque. Baladas nas melhores casas noturnas também faziam parte da rotina dos 15 jovens, dois deles adolescentes, oriundos de famílias bem estruturadas da zona sul de São Paulo, acusados de formar uma das maiores quadrilhas especializadas em sequestros relâmpagos do País. Alguns cursavam universidades particulares, a maioria trabalhava. Típicos rapazes que costumam ser motivo de orgulho para seus pais. A doce ilusão virou fumaça quando a polícia prendeu nove desses “garotos exemplares”, responsáveis por 30 roubos confirmados no primeiro semestre deste ano em São Paulo. As vítimas preferenciais eram moradores de bairros nobres da zona sul da capital paulista, no momento em que saíam do trabalho ou chegavam em suas residências. Os golpes poderiam render até R$ 20 mil, entre saques a caixas eletrônicos e compras nos cartões de crédito.
O mais audacioso do grupo, Bruno Rodrigues Guedes de Jesus, 21 anos, participou de 19 dos 30 crimes da gangue dos playboys. Preso desde abril, ele morava com a família em uma casa própria na zona sul da capital paulista. Loiro, braço esquerdo tomado por uma tatuagem tribal, era o responsável por abordar as vítimas. “Ele tem um perfil que o camuflava nesses bairros de classe média”, explica Eduardo Camargo Lima, delegado titular da 96º DP (Brooklin), que desbaratou a quadrilha. Os assaltos aconteciam entre 18h e 21h, para aproveitar a troca de turno dos batalhões da Polícia Militar e pegar pessoas desprevenidas na saída dos escritórios. De revólver em punho, dois do bando abordavam a vítima, enquanto um terceiro era responsável por fazer saques em caixas eletrônicos e compras com os cartões de crédito. Um criminoso tomava o volante e rodava no carro com a vítima pela Marginal Pinheiros, via expressa sem blitz policiais. Outro seguia o veículo com um carro, geralmente roubado. Eles se comunicavam por celulares. Após três horas, a vítima era deixada em um lugar de difícil acesso. “Eles falavam o tempo todo que iriam me matar caso não conseguissem sacar dinheiro da minha conta”, afirmou à ISTOÉ um dentista de 28 anos, roubado em R$ 7 mil. “Eles levaram meu carro e me deixaram na entrada da favela de Paraisopólis. Ainda tive um prejuízo de R$ 18 mil nas minhas contas bancárias”, disse outra vítima, um executivo de 30 anos.
DOCE VIDA
O estudante de Engenharia Vítor Lima (acima, no Rio), 20 anos,
era um dos integrantes mais ativos do bando e foi flagrado por
câmeras de vídeo comprando roupas com cartões de crédito roubados
A ostentação era uma marca do grupo. A polícia paulistana apreendeu, por exemplo, fotos da gangue segurando maços de notas que somam até R$ 30 mil. Um dos integrantes chegou a presentear a mãe com um carro roubado. Bruno de Jesus, o mais arrojado do bando, que não tinha uma estrutura hierárquica, caiu pela ganância. Ele passou a fazer compras em lojas de conveniência de uísques e vodcas importados com cartões roubados. O descuido possibilitou que várias vítimas reconhecessem o “Alemãozinho” por imagens captadas do circuito interno de vídeo desses locais. Bruno foi seguido pelo investigador Luís Fernando Ferreira de Souza, que se infiltrou em baladas funks, como o Sítio do Ré – uma das músicas preferidas do grupo é “Sequestro Relâmpago”, do MC Zói de Gato. Foi lá que começou a identificar os integrantes da quadrilha, os quais também frequentavam luxuosas casas noturnas na Vila Olímpia, bairro da zona sul. “E aí, mano, como estão os relas? Tá pegando muito grã-fino no Brooklin?”, eram expressões recorrentes na quadrilha. “Depois que foi preso, Bruno chegou a me dizer que eu não conseguiria prender todos os envolvidos nesses crimes, porque era muita gente. Tornou-se o crime da moda em São Paulo”, afirmou Souza.
O sequestro relâmpago causa tamanha dor de cabeça que a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo criou, em fevereiro passado, uma delegacia especializada em combater esse crime. Apenas a gangue dos playboys pode ter sido responsável por 30 assaltos mensais entre janeiro e abril deste ano. Com a prisão de Bruno, e a apreensão de dados no seu computador, a tarefa de identificar o resto do bando ficou mais fácil. Office-boy de escritório de advocacia localizado a poucos metros do 96º DP, Lucas Fernandes de Souza foi preso enquanto pagava uma conta. Alexandre França Costa e Juliano de Souza Rosa foram detidos na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, com um carro roubado. No porta-malas, várias peças de grife, R$ 1.060, dólares e celulares.
CADEIA
Mais arrojado do grupo, Bruno Rodrigues Guedes de Jesus está preso desde abril.
Dezenove participações em 30 sequestros relâmpagos da quadrilha
Outros três acusados – o estagiário de uma grande construtora Vítor Mendes Rodrigues Lima, 20, o vestibulando William Santos Góis, 21, e o metalúrgico Temístocles de Souza Oliveira, 21 – foram presos no último dia 18, sob a alegação de trocar tiros com policiais. Oliveira foi atingido por um disparo, passou por uma cirurgia de emergência na quinta-feira 26 e está preso. “Eu nunca percebi qualquer alteração nos horários dele e não conheço nenhum dos rapazes que foram presos com ele”, afirmou à ISTOÉ a mãe de Temístocles, que vive em uma casa simples no Parque Arariba, também na zona sul. Há um ano, ele trancou a faculdade de mecatrônica, na Unip, depois de cursar um semestre. À mãe, havia dito que não gostara do curso e pensava em mudar.
Vítor Lima estudava engenharia na Universidade Anhembi Morumbi, cujas mensalidades custam em torno de R$ 1,2 mil. Morava com a família em uma casa amarela de dois andares no Jardim Macedônia, também zona sul, com um Toyota Corolla na garagem. As posses dos Lima se destacam no modesto bairro. Já William Góis provém de uma família evangélica. O pai chegou a presenteá-lo com um carro e uma moto. “Até os 18 anos, ele nunca me deu trabalho. Mas acho que vai aprender com essa situação”, disse o comerciante, que não quis se identificar.
MEDO
Vítimas como um dentista e um executivo reconheceram
membros da quadrilha na delegacia, em São Paulo
Se o antídoto usual à criminalidade consiste nas políticas públicas que cruzam bolsas de auxílio financeiro e escolarização, nesse tipo de crime que emerge da classe média, essa solução deixa de ser eficaz. Rouba-se não por razões objetivas – falta de comida ou bens básicos – mas por desejos subjetivos. “Fica evidente que a motivação não é a desigualdade social, mas a falta de valores morais”, diz a socióloga Carla Diéguez, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Para ela, desde a década de 90 é possível delinear esse tipo de crime protagonizado pela classe média. “São fruto de uma geração que não sabe lidar com o fracasso e almeja a todo custo o sucesso.” “Não adianta ter carro, acesso à universidade ou usar roupas de grife. Resta sempre um desejo de mais.”
No Nordeste, mais dois casos
Estudantes de classe média são presos na Bahia e em Alagoas
Estudantes de classe média são presos na Bahia e em Alagoas
Quadrilhas formadas por estudantes de classe média foram desbaratadas nos últimos dias em dois Estados do Nordeste. Em Salvador, José Rafael Bahia Forte, Rafael Brandão dos Santos, o “Rafaelzinho”, Marcos Felipe de Jesus, o “Lacerda”, e Igor dos Santos Lobo (abaixo) ostentavam um sorriso zombeteiro ao serem apresentados pela polícia como integrantes do grupo criminoso responsável por sete assaltos num condomínio de alto padrão na região metropolitana da capital baiana. Estima-se que eles tenham roubado um total de R$ 100 mil. O fruto dos roubos era gasto em viagens e saídas para casas noturnas. Em uma única noitada, eles chegaram a torrar R$ 15 mil. Filho de um dos moradores, José Rafael Bahia Forte facilitava a entrada dos comparsas no condomínio. Já em Maceió, 19 pessoas foram presas, na maioria, jovens universitários e donos de pontos comerciais, por participarem de um esquema de clonagem de cartões de crédito que rendia R$ 500 mil por semana. Os policiais alagoanos apreenderam ainda 11 carros, duas motos aquáticas, uma moto e os equipamentos de clonagem.
Colaborou Rachel Costa
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