POLÍTICA
A expressão do título destas linhas de opinião é tomada de empréstimo ao saudoso Raimundo Reis, no texto de um dos cronistas maiores do cotidiano da Bahia e do País, sobre um daqueles apaixonados torcedores bissextos que aparecem a cada disputa de Copa do Mundo. Aqui, no entanto, serve para definir a imagem e atuação de um magistrado nesta primeira semana de agosto, na abertura do julgamento dos réus do caso Mensalão.
“Passional cívico” casa perfeitamente com o perfil e a definição do desempenho do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, que salvou do engodo e da apatia - com sua implacável e indignada reação ética - o espetáculo de abertura do julgamento dos quase 40 acusados no polêmico e explosivo processo.
Na tarde de quinta-feira (2), país na frente da tela da TV. A atenção dividida entre os jogos olímpicos de Londres e o torneio jurídico, político e midiático em Brasília. No plenário do STF, tudo parecia caminhar para o mais indesejável.
“Um espetáculo de quinta (categoria)”, como definiu irritada ao meu lado minha mulher, também jornalista, ao receber telefonema da irmã impaciente e mais brava ainda diante do que estava vendo e ouvindo em sua casa, em Salvador, na transmissão direta do palco dos ilustres juristas.
“Um espetáculo de quinta (categoria)”, como definiu irritada ao meu lado minha mulher, também jornalista, ao receber telefonema da irmã impaciente e mais brava ainda diante do que estava vendo e ouvindo em sua casa, em Salvador, na transmissão direta do palco dos ilustres juristas.
Margarida (também formada em direito) tentava conter sua fúria pessoal e acalmar a irmã do outro lado da linha. Falava sobre a previsível questão de ordem levantada (mal iniciada a sessão), pelo advogado e ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em defesa do desmembramento dos processos acusatórios contra os 38 réus, na hora H de começar o julgamento.
Manobra ladina, de aplicação comum por figurões do direito nos tribunais de província -, mas visivelmente precária tentativa de um dos mais caros e requisitados defensores de gente de poder, fama e dinheiro no Brasil, de jogar areia no ventilador e confundir os ministros do mais vistoso e importante fórum de justiça do Brasil.
A manobra do advogado dos réus do Banco Rural no Mensalão, entretanto, foi surpreendentemente apoiada de pronto por um dos nomes mais pomposos e acatados entre seus pares no STF: o ministro Ricardo Lewandowski.
Como se não bastasse o simples e estranho acatamento efusivo à tese de Bastos, o ministro sacou do bolso da toga (esta é apenas uma figura de retórica, esclareço) longo, enviesado e cansativo parecer para justificar a injustificável e já superada tese.
Como se não bastasse o simples e estranho acatamento efusivo à tese de Bastos, o ministro sacou do bolso da toga (esta é apenas uma figura de retórica, esclareço) longo, enviesado e cansativo parecer para justificar a injustificável e já superada tese.
Era essa a causa principal do espanto e dos muxoxos de incômodo no plenário, na sede do Supremo, no Distrito Federal. E da irritação manifestada até com impropérios, que se espalhava pelas redes sociais no resto do país como faísca lançadas por ouvintes irados diante das imagens, enquanto o ministro Lewandowski destrinchava o seu interminável arrazoado.
Mas veio do ministro Joaquim Barbosa, caprichoso e eficiente relator do caso Mensalão, a mais ética e indignada reação. Diante da proposta do advogado famoso e do inesperado voto de apoio de seu colega e revisor do montanhoso processo, o ministro Barbosa foi direto ao ponto, sem meias palavras ou filigranas da retórica habitual nos tribunais.
“Nós precisamos ter rigor no fazer das coisas no País. Eu não vejo razão (para o desmembramento do processo unificado) e me parece até irresponsável voltar a discutir esta questão”, reagiu o relator, ao votar contra a proposição de Thomaz Bastos.
Mas o ministro Barbosa seria ainda mais duro ao se opor ao apoio à tese do advogado, partida do ministro que o acompanhara mais de perto e com quem dialogara mais direta e francamente por mais tempo, durante os tensos e desgastantes quase dois anos de preparação do gigantesco processo.
Mal comparando (ou bem?) era lancinante e dolorida como a punhalada inesperada da tragédia shakespeariana. Era o golpe partido de quem menos se espera e de quem mais se confia. Era como se o parceiro tentasse jogar na lixeira tudo que fora arduamente construído em conjunto, para começar tudo de novo.
Com nervos e emoção à flor da pele, o firme e destemido jurista mineiro lembrou tudo isso em breves e candentes palavras, para arrematar com a sentença mais exemplar da abertura do tão aguardado julgamento:
“Isso me parece deslealdade”, questionou Joaquim Barbosa a Ricardo Lewandowski. Palavras de firmeza de caráter e dignidade profissional, que repercutiram intensamente no placar elástico da derrubada da questão de ordem levantada por Thomaz Bastos: 9 a 2.
Palmas para o Relator (com R maiúsculo) no começo do espetáculo. Próximos capítulos a conferir.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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