Zuenir Ventura, O Globo
Dois sucessos do momento continuarão em cartaz por cerca de mais um mês, mantendo o público em suspense sobre o final. Quem não está interessado em descobrir como vai terminar “Avenida Brasil” e quem não quer saber qual será o desfecho do julgamento do mensalão? Que destino terão Carminha e Nina? O que acontecerá com José Dirceu? Pra só falar dos personagens principais.
Com “Primo Basílio”, Eça de Queirós tinha a “ambição de pintar a sociedade portuguesa” do fim do século XIX, composta por uma burguesia que ele considerava decadente. Não se sabe se, com sua novela livremente inspirada naquele romance, João Emanuel Carneiro tem também a pretensão de refletir o país da CPI do Cachoeira e dos mensaleiros.
De qualquer maneira, pode-se estabelecer alguma analogia entre o clima moral do folhetim e o da realidade política atual, nos quais predominam boas doses de cinismo, mentira e hipocrisia. A diferença é que no folhetim quase todo mundo age um pouco como vilão; em Brasília, todos se esforçam para parecer inocentes mocinhos, inclusive os vilões.
Eça construiu uma trama que levou Luísa, a patroa adúltera, a sucumbir à tortura psicológica imposta por Juliana, a empregada, que descobre cartas de amor entre os amantes e com elas vai chantagear sua vítima até a morte por medo, culpa e desespero.
João Emanuel repete o esquema, mas faz de Nina uma Juliana muito mais perversa e, de Carminha, uma Luísa menos frágil e ingênua, e que está mais disposta a matar a chantagista do que morrer de desgosto.
Já Max é um canalha ainda mais bandido do que Basílio, que, segundo Eça, era “antes um pulha pobre, depois um pulha rico”.
Ao contrário, porém, do que se passa no romance e na novela, onde abundam provas materiais (cartas num caso e fotos no outro), no espetáculo que começou a se desenrolar no STF esta semana a defesa alega que há falta delas para produzir uma justa condenação. Será?
Será que daqui a 20 anos vamos ter no Senado 38 novos Collors? Ou 20? Que seja apenas um? Será que vão prevalecer as chamadas razões técnicas (ou seriam razões cínicas?).
Se isso acontecer, não se sabe como reagirá uma sociedade saturada pela corrupção e pela impunidade, e cansada dos escândalos e da “falta de provas”. Afinal, os tempos são outros.
O Brasil pós-leis da Ficha Limpa e da Transparência Pública parece estar trocando a indignação pela ação.
Pode ser ingenuidade política, mas acho que o país está mais participativo e não dirá, como Lula: “Tenho mais o que fazer.”
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