Elio Gaspari, O Globo
Confirmado: o trisavô da companheira Michelle Obama era branco. Exames de DNA provaram que ela descende do filho de um pequeno fazendeiro da Georgia. O rapaz deveria ter seus vinte anos e, por volta de 1860, acasalou-se com Melvinia, uma escrava de seus quinze.
Em 2009 a repórter Rachel Swarns, do “The New York Times”, revelou a existência de Melvinia, de quem Michelle nunca ouvira falar. Desde então, ela colheu amostras de DNA de três parentes de Michelle, de uma bisneta do filho de Melvinia e de uma descendente branca do filho do fazendeiro.
Agora publicou “American Tapestry” (”Tapeçaria Americana - A história dos ancestrais negros, brancos e multirraciais de Michelle Obama”). O e-book sai por US$ 14,99. De Malvinia sabe-se quase nada. Com as guerreiras negras de quem descende Michelle, aprende-se muito.
Numa ironia dos tempos, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos é produto da tenacidade de um casal branco do Kansas, que praticamente perfilhou o menino Barack, nascido de um casamento desajustado de sua filha com um queniano.
Negro mesmo é o ramo de Michelle, com um pai zelador e a mãe, Marion, dura como rocha. É ela quem descende de Melvinia. Mora na Casa Branca, onde cuida das netas e faz compras nos supermercados próximos.
O rastro de Melvinia é um pedaço vivo da História dos Estados Unidos. Quase todos os descendentes do sinhôzinho do século XIX evitam falar do assunto, pois não lhes fica bem entrar na Casa Branca pela porta da senzala. Antes de Melvinia, os descendentes de Thomas Jefferson contestavam que ele tivesse vivido maritalmente com a escrava Sally Hemmings, com a qual teve um número incerto de filhos, talvez seis.
Antes de ser eleito presidente (1801-1809), Jefferson, viúvo, levou Sally para Paris, como criada de sua filha. A moça tinha 14 anos e era mulata muito clara. Seu pai e um avô eram brancos. Retratando a época, Sally e Sinhá Martha, a mulher de Jefferson, tiveram o mesmo pai.
Em 1997 exames de DNA mostraram que um homem do ramo de Jefferson era ascendente de pelo menos um filho da escrava. Sally, seus irmãos e seus filhos viveram como criados na fazenda do patriarca, em melhores condições que Melvinia.
Dolly, a fenomenal mulher de James Madison, sucessor de Jefferson, teria dito que as mulheres dos fazendeiros americanos eram as “escravas-chefe” do “harém dos senhores”.
Pouco se sabe de Charles, o filho do fazendeiro. Melvinia morreu em 1938 e não falava do assunto. Dos Hemmings sabe-se mais, porque um filho de Sally contou seu caso em 1873. Pena que os Jeffersons tenham queimado parte da correspondência do ex-presidente.
A história de Jefferson com Sally e sua família está em “The Hemmingses of Monticello — An American Family”, um grande livro, ganhador do premio Pulitzer. O e-book sai por US$ 9,99.
O jovem professor brasileiro Bruno Carvalho escreveu na universidade Harvard em 2005 um brilhante estudo, intitulado “Cláudio Manuel da Costa e Thomas Jefferson, dois ‘Pais da Pátria’ e o tema das relações inter-raciais no Brasil e nos Estados Unidos”.
Ele mostrou como o poeta da Inconfidência tratou a escrava Francisca Arcangela Cardoso, com quem viveu por trinta anos, e cinco filhos, a “bela Eulina, que é todo meu amor, o meu desvê-lo”. Já os Jeffersons, deletaram Sally.
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