sexta-feira, 15 de junho de 2012

Falta alguém na CPI



MERVAL PEREIRA15.6.2012 10h11m
Como todo mundo sabe, Paris é uma cidade pequena onde todo mundo se esbarra. Portanto, nada mais natural que o senador Ciro Nogueira, do PP, e o deputado Mauricio Quintela, do PR, que por acaso são membros da CPI do Cachoeira, encontrarem casualmente num restaurante da Avenue Montaigne (seria o de Alain Ducasse no Plaza Athené?) com o empreiteiro Fernando Cavendish. 

Estavam os nossos bravos parlamentares, e mais o deputado Eduardo da Fonte, também do PP, fazendo uma rápida baldeação em Paris, depois de uma exaustiva viagem a trabalho a Uganda, onde se encontraram com suas esposas, que preferiram os ares da capital francesa aos daquele país africano. 
O encontro foi denunciado ontem na reunião da CPI do Cachoeira pelo deputado federal Miro Teixeira, com requintes de crueldade: o senador Ciro Nogueira encaminhara momentos antes a votação para que o ex-presidente da Delta não fosse convocado a depor, e Miro usou uma expressão cunhada pelo ato falho do governador Agnelo Queiroz, do PT, ao depor na CPI no dia anterior. 

Ele se referiu, provocando gargalhadas gerais e muitos twitters, a uma “tropa de cheque”, quando pretendia dizer “tropa de choque”, o que é perfeitamente compreensível nas atuais circunstâncias, diria Freud. 
Ao fim e ao cabo, a votação apertada de 16 votos a 13 para adiar a convocação marcou uma vitória matemática, mas uma derrota moral petista, que dificilmente será confirmada em uma futura votação depois que ficou demonstrado que dois representantes partidários, membros titulares da CPI do Cachoeira, se encontraram com o ex-proprietário da Delta em Paris. (Aliás, como gosta de Paris esse Cavendish. Mesmo depois de tecnicamente quebrado, continua por lá, como se nada estivesse acontecendo). 

O senador Ciro Nogueira diz que é amigo de Cavendish há muitos anos, e chegou mesmo a anunciar em seu twitter que iria ao casamento do amigo em Itaipava, mas deveria manter uma distância preventiva do empreiteiro, principalmente depois da revelação de uma gravação em que Cavendish garante: “Se eu botar 30 milhões na mão de um político, eu sou convidado para coisa para c... Pode ter certeza disso. Te garanto”. 
O interessante é notar que a maioria governista serve apenas para ações defensivas, isto é, não convocar Cavendish ou Luis Pagot, o ex-diretor do Dnit que anda falando pelos cotovelos e está louco para depor na CPI, que, no entanto, também adiou sua convocação, por motivos mais do que claros. 

Anteriormente, esse equilíbrio de forças real, mesmo que no plano virtual a base aliada seja maioria esmagadora no plenário, levou à quebra do sigilo nacional da Delta, que não interessava a ninguém da base aliada mas se impôs como uma necessidade para não desmoralizar de vez a CPMI. 

Depois que a própria Corregedoria Geral da União (CGU) passou um atestado de inidoneidade à empreiteira Delta, ficou mais ridículo ainda a operação comandada pelo PT e PMDB para blindar Cavendish. 
Aos petistas não interessa expor na CPI os óbvios problemas do governo ao transformar a Delta na maior empreiteira do PAC. E aos peemedebistas não interessa remexer na amizade polêmica do governador Sérgio Cabral do Rio com o empreiteiro Fernando Cavendish. 

O líder do PSOL, deputado Chico Alencar, resumiu ontem muito bem a situação: “Para entrar no fundamental dos seus trabalhos, que é a análise dos documentos e o cruzamento de dados, a CPI precisa receber da PF a lista dos numerosos aquinhoados com os telefones do ‘Clube Nextel’ de Cachoeira. E ainda ouvir outros depoimentos importantes, como o do dono ‘licenciado’ da Delta, Fernando Cavendish, e do ex-diretor do Denit, Luiz Antonio Pagot, cuja vontade de falar incomoda a ‘gregos e troianos’. Não a nós, nem à sociedade brasileira, que precisa de verdades”. 

O governo tem uma maioria defensiva na CPI e conta também com uma coincidência a seu favor em relação aos três principais investigados: os advogados Márcio Thomaz Bastos, de Cachoeira; Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, do senador Demóstenes Torres; e José Luiz de Oliveira, da Delta, contratado ainda na época de Cavendish, têm em comum ligações pessoais e profissionais com importantes membros do governo. 

Thomaz Bastos foi ministro da Justiça de Lula e continua sendo seu conselheiro. Kakay é amigo de José Dirceu, de quem José Luiz Oliveira é advogado no mensalão. Tudo está sendo feito para que a CPI acabe mesmo pegando apenas o governador Marconi Perillo, tucano de Goiás, que era um dos alvos preferenciais dos petistas ao pedirem a CPI. 

Frustrados os outros alvos, o Procurador-Geral da República e a imprensa na figura da revista Veja – só o senador Fernando Collor continua empenhado na sua campanha insana e solitária – só resta mesmo aos petistas tentar levar para o banco dos réus o governador tucano, e para tanto darão sem piscar a cabeça do governador petista do Distrito Federal Agnelo Queiroz. 

Os dois, aliás, estão ironicamente enrolados em transações financeiras difíceis de explicar envolvendo compra e venda de mansões, o que não deixa de ser sintomático. 

Falta alguém na CPMI do Cachoeira, e não é o empreiteiro Fernando Cavendish nem o ex-diretor do Dnit Luiz Pagot. Esses deveriam mesmo ser convocados. Mas, como já escrevi aqui antes, só surgindo uma ex-mulher ressentida, ou um ex-marido na mesma situação, um motorista ou uma secretária para essa investigação da CPI ir a algum lugar.

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