Por Luís Peazê em 12/06/2012 na edição 698 - Observatório de Imprensa
Reproduzido do blog do autor, 10/6/2012
No sábado (9/6), em Nova York, a bola rolou ou voou em todas as praças de esporte do marketing voltado para consumo de massa, competindo com eventos de outras modalidades sem bola; sobre cavalos, luta com punhos e maratona de rua; provando a incrível capacidade da Big Apple ser palco simultâneo de grandes eventos (incluindo uma passeata de protesto), impossível de se imaginar, por exemplo, no Rio de Janeiro.
Brasil versus Argentina foi apenas um grande jogo naquele efervescente cenário.
A palavra “Brazil” no New York Times de domingo (10) aparece na primeira página apenas uma vez, relacionada a uma questão de índios sem terra aqui em nosso quintal. O grande clássico entre as seleções brasileira e argentina vem na página online de esportes, assim mesmo após rolá-la passando primeiro pelo beisebol, basquete, luta de boxe, maratona feminina e corrida de cavalos, e, quando chega ao futebol, Brazil e Argentina aparecem depois da Eurocopa e abaixo de uma notícia isolada sobre o Manchester.
Como se isso não fosse o suficiente, para colocar o futebol no devido lugar, de acordo com a sua importância na América, a manchete que o NYT escolheu chamar a atenção para o movimentado sábado esportivo na Big Apple, e não somente para o megaevento no MetLife Stadium, casa do New York Jets e do Giants, ambos clubes da liga de football americano da bola oval.
Ok, o jogo foi em Nova Jersey, mas é como se fosse em Niterói, se a terra do Araribóia tivesse vencido o ressaibo provinciano (sotaque e comportamento), ligada ao Rio de Janeiro por uma ponte defasada e um serviço precário de travessia marítima.
Nossa imprensa esportiva rasteja
O articulista do NYT, George Vecsey, angula seu artigo a partir da disputa entre Brasil e Argentina, destacando a sua importância para o mundo da bola redonda “pensado com os pés” (essa alusão é minha), registrando que as duas equipes tinham um contrato milionário com os organizadores, obrigadas a mandar para o campo suas estrelas principais, incluindo mantê-las o tempo todo em campo, caso de Messi e Neymar. A Argentina, como se sabe, jogou com tudo e todos, o Brasil jogou com tudo mas não com todos, utilizou uma equipe olímpica, limitada pela idade e pelos desfalques de lesões.
Geroge Vescsey relata o que talvez sirva de inspiração para pelo menos uma parte da imprensa esportiva brasileira, que talvez puxasse para cima o interesse dos leitores. Sem risco de diminuir a nossa maior paixão: o futebol de Pelé, Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo e galeria de lendas eternas, depois da novela das oito e do mau gosto musical; em detrimento de nosso estofo genial adormecido de músicos e artistas de toda a sorte.
Ele relata que em 1982 o NYT encarregou o renomado crítico John Leonardo para cobrir, num só dia, um jogo do Giants, outro dos Yankees, em seguida o Torneio Aberto de Tênis e ainda um jogo dos Jets. O jornalista pediu o apoio de um helicóptero e recebeu do jornal uma limousine com chauffeur exclusivo.
Logo no início de sua maratona, John Leonard respondera rispidamente ao motorista que insistia em puxar assunto sobre futebol. “Não quero saber sobre esporte de estrangeiros”, teria dito ele. Entre um evento e outro ele deveria criar matérias, mas não vivia na era da Internet, então escolheu produzir um épico para publicar na quarta-feira, e caprichou, evocando Eliot, Cervantes e Homero. A propósito, uma entrada para Brasil x Argentina custou 200 dólares, mais caro do que para uma ópera.
Claro, Leonardo era um produto do tempo, e do espaço. Nem tanto aqui em nossas páginas de grama e chuteiras e fartura de imbróglios entre jogadores polêmicos e dirigentes de clubes, associações e órgãos de governo de conduta duvidosa.
O Brasil de Mano Menezes perdeu de quatro mas de pé (o trocadilho tem amplo sentido), mas a nossa mídia vem perdendo ao longo do tempo rastejando com mesmices, parcialidades incensadas pelo poder dos anunciantes e pelo fácil atendimento da demanda de qualidade inferior dos leitores e audiências das várias mídias.
Por fim, não poderia deixar de registrar que o genial Messi fez dois gols com apenas dois toques na bola, em cada um, correndo entre atônitos jogadores brasileiros; o terceiro gol de placa ele fez correndo feito um ratinho elétrico de loja R$ 1,99 como se estivesse atravessando um salão de dança sem ser incomodado. Até quando o jogador brasileiro ficará penteando a bola antes de decidir o que fazer com ela?
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[Luís Peazê é escritor, tradutor e jornalista]
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