sábado, 7 de junho de 2014

Cartas de Buenos Aires: Salta: o outro norte, por Gabriela Antunes


Dizem que, quando alguém está perdido, é preciso buscar o norte.
Aproximadamente 1.500 quilômetros separam a frondosa e européia Buenos Aires de Salta, a porta de entrada para o norte, uma Argentina muito diferente dos folhetos de viagem. Nada de ares ingleses e varandas francesas. No seco e indígena norte argentino, onde civilizações milenares andinas se encontram e a pobreza dá voltas como um urubu à espera da carniça, uma Argentina desconhecida se mostra em toda sua majestade.
De Buenos Aires a Salta são duas horas de avião. Por terra, o trajeto não é feito em menos de 17 horas. Salta desponta entre áridas montanhas com suas edificações coloniais espanholas.
O centro nervoso e histórico da cidade está na Plaza 9 de Julio, onde podem ser degustadas as famosas empanadas saltenhas, pequenas e saborosas, uma tradição local.
É também na Plaza que está o impactante Museo de Arqueología de Alta Montaña (MAAM). É ele a casa das três múmias Llullaillaco, encontradas a mais de 6 mil metros de altura. Estão tão conservadas que parecem estar dormindo. As três crianças, de mais de 500 anos, são uma chamada a uma viagem espiritual ao bojo das culturas andinas.
Os sacrifícios humanos, tão difíceis de digerir, a dureza da vida em altitude e a espiritualidade que reside no alto das colinas despertam o viajante para uma jornada única, bem diferente dos genéricos pacotes turísticos que incluem shows de tango em Buenos Aires.

Salta

Localizada no Vale de Lerma, ao leste da Cordilheira dos Andes, a província de Salta faz fronteira ao norte com a Bolívia, ao leste com Paraguai e a oeste com o Chile.
A aridez do deserto está refletida na pele dos locais, seca e dura como um curtume. As empobrecidas populações indígenas chamam a atenção, tão impactante quanto a imensidão e grandeza das paisagens, uma infindável troca de cenários que vão de rios caudalosos formados pelas águas de degelo, a campos de cactos gigantes que se estendem sobre chapadas.
Uma das melhores opções para ver a natureza do lugar e sua troca de paisagens é a estrada que vai de Salta até Cachi, não recomendável para quem sofre de vertigem.
É um clássico exemplo de um caminho mais importante que o destino. Não que Cachi não seja uma pérola andina, pequena e apaixonante. No entanto, as três horas e meia que separam Salta do povoado são uma jornada ao núcleo do deserto, com direito a manadas de cabras cruzando a pista, montanhas coloridas, ruínas e pequenas capelas à beira de abismos.
Impossível não entrar, não abrir os pulmões para a montanha e embrenhar-se da espiritualidade indígena que parece viver no cume de cada cerro.

Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín. 

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