No dia 22 de novembro de 1963 a Lucia e eu éramos as únicas pessoas felizes numa certa rua de Copacabana. Todas as outras (está bem, imagino que quase todas as outras) estavam no mínimo preocupadas com o que tinham acabado de saber, a notícia da morte do presidente Kennedy em Dallas. Pobre do presidente Kennedy. Tão moço, tão simpático, com uma família tão bonita.
O que significava aquela morte? O que viria depois daquilo? Era um golpe? Não era um golpe? Que país maluco! A Lucia e eu tínhamos acabado de ficar noivos. É, naquela época se noivava. Já estávamos com as alianças, compradas numa joalheria da Santa Clara, e fomos tomar uma Coca-Cola no “Cirandinha” para comemorar. Felizes da vida.
Depois ficou difícil não se emocionar com a imagens que viriam: o enterro, o garoto fazendo continência para a esquife do pai, as caras desoladas na multidão, todas as esperanças da nação no jovem e dinâmico presidente abatidas por um assassino — ou mais, até hoje se discute quantos.
Nos anos que se seguiram, a emoção e a memória daqueles dias alimentaram o mito. Mas, ao contrário do que costuma acontecer com os mitos, o do Kennedy foi perdendo o lustre com o tempo. Livros sobre “o verdadeiro” Kennedy se tornaram tão comuns quanto teorias conspiratórias sobre a verdadeira história do seu assassinato.
John Kennedy, ex-presidente dos EUA e a esposa Jacqueline
Kennedy devia sua presidência ao dinheiro e ao poder do seu pai, que tinha ligações notórias com o submundo do crime organizado. Seus atos heroicos na guerra e sua experiência diplomática eram forjados. Ele e Jaqueline formavam um par perfeito, pelo menos visualmente, mas ele a enganava desde o começo do casamento.
Ele não tinha feito tanto pelos direitos civis dos negros quanto dizia o mito. Se iria ou não retirar as tropas americanas do Vietnã se não tivesse sido assassinado é discutível. Até sua atitude firme na crise dos mísseis russos em Cuba, segundo muitos o seu melhor momento, é criticada pelo novo revisionismo. Ele teria cedido mais do que o necessário aos russos.
Como é mesmo aquela frase do filme do John Ford? Quando os fatos desmentem a lenda, publique-se a lenda.
Lyndon Johnson, que substituiu Kennedy, foi mais radical do que ele nas questões dos direitos civis e de programas sociais. Mas sofreu com a comparação, não com os fatos do governo Kennedy, mas com o mito, com a lenda do que poderia ter sido. E nenhuma revisão ainda conseguiu acabar totalmente com a lenda.
Luis Fernando Veríssimo é escritor.
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