sábado, 22 de junho de 2013

A filial do terror: como o Irã montou, no Brasil, a rede de extremistas que participaram do maior atentado terrorista já ocorrido na Argentina


CARNIFICINA -- Á direita, um judeu argentino caminha pelas ruínas do edifício da Amia, em Buenos Aires: as últimas ordens recebidas pelos terroristas do Hezbollah partiram do telefone de um morador de Foz do Iguaçu, no Brasil (CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)
CARNIFICINA -- Á direita, um judeu argentino caminha pelas ruínas do edifício da Amia, em Buenos Aires: as últimas ordens recebidas pelos terroristas do Hezbollah partiram do telefone de um morador de Foz do Iguaçu, no Brasil (CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)
Reportagem de Duda Teixeira e Leonardo Coutinho, publicada em edição impressa de VEJA
A FILIAL DO TERROR
Como o Irã montou no Brasil uma rede de extremistas que auxiliaram na organização do atentado terrorista à Amia, em Buenos Aires, em 1994
Ali Khamenei, o líder supremo do Irã, deu, em uma reunião em agosto de 1993, a ordem para que se executasse o atentado mais sangrento da história argentina. Menos de um ano depois, no dia 18 de julho de 1994, isso se tornou realidade com a explosão de uma van Renault Trafic em frente a um prédio onde funcionava a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia). No meio dos escombros, 85 mortos. O carro continha entre 300 e 400 quilos de um composto de nitrato de amônio, alumínio, dinamite e nitroglicerina.
Desde então, por quase duas décadas, a cadeia de comando montada a partir do Irã para executar a carnificina em Buenos Aires foi cuidadosamente estudada pelo procurador especial Alberto Nisman. Seu relatório, que acusa a cúpula do governo iraniano de ter sido mandante do crime, foi apresentado à Justiça no fim de maio.
No início de junho de 2013, VEJA teve acesso à sua íntegra. Em 502 páginas, é possível entender não apenas como funcionava a rede terrorista, mas também suas ramificações no Brasil. Doze extremistas citados por Nisman como tendo vínculos com o Hezbollah, o grupo islâmico que é um braço armado do governo iraniano no Líbano, viveram, visitaram parentes ou mantiveram negócios em três cidades brasileiras: Foz do Iguaçu, São Paulo e Curitiba. Pelo menos quatro deles tiveram participação direta ou indireta no atentado à Amia.
O libanês Samuel Salman El Reda, que vivia em Foz do Iguaçu, foi quem, segundo Nisman, transmitiu os comandos para o atentado em seus instantes finais, por meio de dezenas de ligações telefônicas de sua casa, em Foz, e de um aparelho celular comprado em nome de um membro do Hezbollah, André Marques, para se comunicar com os que prepararam e posicionaram a van com explosivos.
Às vésperas do crime, El Reda foi pessoalmente a Buenos Aires. Pegou um avião de volta duas horas antes de o veículo explodir, já no aeroporto Jorge Newberry, o Aeroparque, assim que recebeu a confirmação de que tudo seguia como planejado. No Brasil, El Reda se aproveitou de uma estrutura montada pelo governo iraniano e pelo Hezbollah desde 1984.
Logo após o início da Revolução Iraniana de 1979, que culminou com um estado teocrático, os aiatolás já estavam suficientemente confiantes para exportar a revolução. Homens bem treinados foram então enviados para o Brasil, a Guiana e a Argentina, com a missão de preparar o terreno para ações futuras. Em 1992, houve um ataque à Embaixada de Israel em Buenos Aires, com 29 mortos. Tanto esse como o atentado de 1994 foram uma represália ao fim do contrato de transferência de tecnologia nuclear da Argentina para o Irã.
O escolhido para comandar a operação na América Latina foi Mohsen Rab­bani, que pregava na mesquita Tauhíd, na periferia da capital portenha. “Todos somos Hezbollah”, dizia ele aos alunos. Outras pregações comuns eram o ódio aos judeus e aos americanos. Em Buenos Aires, ele desembarcou com o cargo de inspetor do abate de gado, que para muçulmanos praticantes deve ocorrer segundo preceitos religiosos.
Quatro meses antes da explosão, foi nomeado conselheiro cultural da Embaixada do Irã. O cargo serviria apenas para despistar investigações futuras. Segundo Nisman, as atividades dos terroristas sempre foram camufladas com centros culturais, editoras de livros e mesquitas.
Outro personagem que aparece no relatório é o xeque Taleb Khazraji, que dirige o Centro Islâmico no Brasil, em São Paulo. A entidade possui uma editora religiosa e uma unidade que inspeciona o abate de animais. Soa familiar, não? A denúncia não aponta participação direta de Khazraji no atentado, mas cita ligações telefônicas de sua mesquita para um guianense que tentou explodir o aero­por­to de Nova York, em 2007, e outras conexões com figuras centrais da rede terrorista iraniana, entre elas Rabbani.
O xiita Khazraji, afirma o documento, é funcionário do governo do Irã. “O Hezbollah não vai abandonar as armas”, disse ele, após voltar de uma viagem a Teerã em que se encontrou com o aiatolá Khamenei. “Ainda não descartamos a possibilidade de ele ter tido alguma relação com o atentado”, diz Nisman.
Khazraji foi procurado por VEJA na quarta-feira, dia 5, mas seu filho e secretário, Nasser, disse que o pai estava no Irã. No dia seguinte, mudou a versão e disse que ele está no Iraque, “onde os telefones funcionam muito mal”. Anotado.

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