sábado, 22 de junho de 2013

Cartas de Buenos Aires: Protestando no país dos protestos


Gabriela Antunes
Um protesto brasileiro no coração de Buenos Aires. Sensação estranha, o olhar inusitado dos transeuntes, organização espartana da polícia local, acostumada às manifestações quase diárias. No cruzamento das famosas avenidas Corrientes e 9 de Julio, um grupo de brasileiros (estimativas vão de seiscentas a mil pessoas) vai se concentrando para desembocar no Obelisco, na fria tarde de terça feira.
“O Brasil está jogando?”, pergunta um argentino. “Não, estamos protestando”, respondem os manifestantes, debaixo da mirada inquieta e desconfiada do “hermano”. Brasileiros manifestando-se em Buenos Aires? Concentração assim, só por futebol.
Os “piquetes”, como são conhecidas as manifestações por aqui, são tão comuns que já viraram atração turística. Um dos protestos mais simbólicos, por exemplo, acontece há anos, em frente à Casa Rosada. São ex-combatentes da Guerra das Malvinas que nunca combateram.
Os “TOAS” são soldados que foram mobilizados na Patagônia para combater, mas nunca chegaram a lutar pois a guerra terminou sem que o conflito atingisse o continente. Agora, protestam pelo direito aos mesmos benefícios sociais daqueles que afetivamente lutaram nas ilhas.
Uma ferramenta democrática, de uso corrente aqui, causando caos urbano quase que diariamente no centro portenho, o “piquete” parece, por vezes, mais institucionalizado do que o próprio Estado.
Tais como as conhecemos, essas manifestações têm seu inicio em 1945, quando os trabalhadores saem às ruas pedindo a liberação do General Juan Domingo Perón, retido pelos militares. Voltam em 1969 (cordobazo) e terminam sendo uma constante no país por volta de 1996, quando o termo “piquetero” ganha força.


A crise sem precedentes que viveu a Argentina em 2001 leva os movimentos sociais ao limite: o povo sai às ruas, trazendo também o famoso “cacerolazo”.
O panelaço volta a assombrar Cristina de Kirchner. Ao longo do ano passado, chega a reunir um número bastante expressivo de pessoas e se espalha pelo país, mas não logra grandes mudanças nas políticas, nem no Governo.
Agora era a vez de brasileiros, marchando pacificamente pela avenida em direção à Embaixada brasileira, sob o olhar curioso dos turistas e locais. A ideia: entregar uma carta à Embaixada. Missão cumprida.
Em outros lugares do mundo, brasileiros expatriados seguiram o mesmo modelo de Buenos Aires e aderiram ao direito de participar do processo democrático, apesar da distancia. Curioso mesmo foi sair do lugar de observador e ser observado pelo argentino, tão acostumado a piquetes, protestos, manifestações, panelaços e revoluções.

Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires. Escreve aqui todos os sábados.

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