sábado, 22 de setembro de 2012



Pedro Corrêa e sua legenda receberam R$ 4,1 milhões no mensalão. Na mesma época e nas mesmas mãos, desapareceram R$ 20,1 milhões do fundo partidário

ANDREI MEIRELES

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Aos 64 anos, o pernambucano Pedro Corrêa exibe um currículo roliço. Foi deputado federal por quase três décadas e chefiou o Partido Progressista (PP), o partido de Paulo Maluf, por cinco anos. Fez de tudo em Brasília, até ser dedurado pelo colega Roberto Jefferson, do PTB, no escândalo do mensalão. Corrêa era presidente do PP no começo do governo Lula, em 2003, e negociou a venda do partido ao governo. Por meio do valerioduto, Corrêa e seus correligionários receberam R$ 4,1 milhões para fechar com o PT e o Palácio do Planalto. Corrêa foi cassado, seus direitos políticos foram suspensos até 2014 e ele virou réu no processo do mensalão. Sumiu de Brasília. Voltou a Pernambuco, onde gasta o que amealhou na vida política – a experiência gerencial, bem entendido – tocando uma locadora de carros, sua fazenda, administrando a Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Pônei e cuidando do mandato da filha, Aline, deputada federal que integra a direção do PP. Mesmo de longe, porém, Corrêa ainda tem seu peso na cena política brasileira.
CURRÍCULO Pedro Corrêa,  ex-líder do PP.  No processo do mensalão, ele é acusado de lavagem de dinheiro, corrupção passiva  e formação  de quadrilha  (Foto: Celso Júnior/AE)
Nesta semana, o ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), pediu a condenação de Corrêa por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Um dia depois, o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, tambémcondenou-o por corrupção passiva – embora o tenha absolvido por lavagem de dinheiro. No mesmo dia, Corrêa apareceu em outro processo. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, enviou à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União cópias de um relatório em que Corrêa surge como um dos responsáveis por sumir com R$ 20,1 milhões em dinheiro público – uma verba do fundo partidário recebida pelo PP para custear suas atividades, entre 2000 e 2005.
Esses recursos desapareceram quando Corrêa presidiu o PP. O valor corresponde a um terço de tudo o que o PP recebeu do fundo partidário entre 2000 e 2005. O dinheiro deveria ser usado para bancar custos básicos de manutenção das legendas, como aluguel de escritórios, despesas com telefone e salários de funcionários. No caso do PP, ao que parece, o dinheiro do mensalão não era suficiente – o valor desviado soma cinco vezes o total recebido do valerioduto. Nas mãos de dirigentes de um partido que tem entre suas estrelas o ex-prefeito Paulo Maluf (SP) – apontado pela Justiça como responsável por desviar cerca de R$ 200 milhões de obras públicas –, dinheiro é vendaval.

O rombo começou a ser descoberto pela Receita Federal em 2007, ao examinar, por amostragem, as contas de seis partidos políticos. Os auditores depararam com um verdadeiro manual de como desfalcar dinheiro público (leia o quadro). Os dirigentes do PP usaram documentos falsos. Usaram notas frias. Usaram notas emitidas por empresas fantasmas. Os auditores perceberam que muitas notas fiscais tinham números em sequência – indício claro de fraude. Descobriram também que a caligrafia de s uma mesma pessoa aparecia em notas fiscais que teriam sido dadas por 28 empresas. As notas fiscais de 34 das fornecedoras do PP foram preenchidas na mesma máquina. Essas evidências grosseiras levaram a Receita a crer que as despesas foram criadas pelo partido para forjar gastos e sumir com o dinheiro.
ESTARRECIDA A ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Ela abriu uma sindicância para apurar se houve tentativa de encobrir a fraude  (Foto: Alan Marques/Folhapress)
O PP diz ter pagado R$ 48 mil à Alfaiataria Tesoura de Ouro. Mas as datas em que afirma que as notas foram emitidas não batem com as registradas no talonário – elas deveriam ser iguais. Outras empresas citadas pelo PP como suas fornecedoras simplesmente estavam inativas. Com base nessa amostragem, a Receita afirma que o PP falsificou documentos para comprovar gastos de R$ 2,3 milhões. Por causa disso, em novembro de 2007, a Receita Federal abriu uma representação fiscal contra Pedro Corrêa e os ex-deputados Benedito Domingos e Romel Anízio, que comandavam a tesouraria do partido. Benedito Domingos é o atual secretário-geral do PP.
A Receita avisou a Polícia Federal do resultado do trabalho. A polícia, então, pediu informações à Justiça Eleitoral. Auditores do TSE reexaminaram o conjunto de 58 mil documentos de prestação de contas enviados pelo PP. Para apressar a investigação, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, reforçou a equipe. Os auditores descobriram que, além das fraudes, o dinheiro do fundo partidário bancou despesas pessoais dos dirigentes do PP. Os planos de saúde de Pedro Corrêa e Romel Anízio eram pagos pelo contribuinte. No período, Pedro Corrêa era deputado federal e tinha outro plano de saúde bancado pela Câmara. Quando Benedito Domingos foi vice-governador do Distrito Federal, despesas de parte de sua assessoria militar foram pagas com o dinheiro do fundo partidário do PP. Em seu relatório, os auditores da Justiça Eleitoral fazem uma triste afirmação, confirmada pela Receita Federal: não há como identificar onde foi parar grande parte do dinheiro desviado pelo PP. Esse dinheiro foi sacado na boca do caixa sob a falsa justificativa de pagar as despesas. Os sacadores não foram identificados.

Há dez dias, depois de participar no STF de mais uma sessão do julgamento do mensalão, Cármen Lúcia recebeu, em seu gabinete na presidência do TSE, o relatório assinado por três auditores do Tribunal. Ela ficou estarrecida. Apesar dos desvios flagrantes, todas as contas do PP haviam sido aprovadas antes pelo Tribunal, sem ressalvas, por recomendação da área técnica. Fraudes que foram consideradas grosseiras pela Receita Federal haviam passado despercebidas pela Justiça Eleitoral. Na semana passada, “em face da grave conclusão do relatório”, Cármen Lúcia determinou a abertura de uma Comissão de Sindicância para apurar se servidores do Tribunal ajudaram a encobrir a fraude.
Cartilha de falcatruas (Foto: reprodução)
Uma das respostas pode estar na conduta de Wladimir Azevedo Caetano, principal responsável pelo exame de contas partidárias na Justiça Eleitoral nos últimos dez anos. Ele foi chefe da Coordenação de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias até o ano passado. Em dezenas de ocasiões, Caetano tomou para si processos que eram examinados por auditores do Tribunal. Fez isso com os seis processos de prestação de contas do PP. Em todos, sugeriu a aprovação das contas do partido, sem nenhuma ressalva. Como cada processo tem milhares de páginas, os ministros do TSE invariavelmente acompanham o parecer técnico, especialmente quando os auditores propõem a aprovação. Práticas elementares em auditorias públicas, como o uso de sorteio para definir quem cuidará de cada processo, não eram seguidas. Caetano escolhia para quem entregar cada processo.
Há um episódio exemplar dessa desordem. Em 2006, um auditor encontrou sérias irregularidades na prestação de contas de 2003 apresentadas pelo nanico PRTB. Pouco conhecido, o PRTB é lembrado por ser o partido presidido por Levy Fidélix, eterno candidato a prefeito de São Paulo, que defende a construção de um aerotrem na cidade. O parecer mostrava que o PRTB não conseguira mostrar como gastara o dinheiro do fundo partidário. Caetano, sem explicar por que, ignorou a análise técnica e recomendou a aprovação das contas do PRTB. A exemplo do que ocorreu em três dos seis processos do PP, o parecer de Caetano foi endossado por seu chefe, Maurício Antônio do Amaral Carvalho, então secretário de Controle Interno e Auditoria do TSE. Há 20 dias, Carvalho foi nomeado diretor-geral do Superior Tribunal de Justiça. O ministro José Delgado, relator do processo do PRTB, resgatou o parecer do auditor e as contas do PRTB foram rejeitadas por unanimidade pelo plenário. Nesses casos, a punição é a suspensão do repasse mensal para o partido por até um ano. Carvalho diz que não era sua responsabilidade a verificação da autenticidade de notas fiscais.
A mensagem
Para o país
É preciso melhorar
a fiscalização do dinheiro do fundo partidário
Para o eleitor
Fique atento aos processos do TSE antes de escolher candidato nas próximas eleições
  
Sentado a uma mesa num café em Brasília, seu subordinado Caetano se esquiva com voz mansa. “A contabilidade do partido era muito confusa, sem nenhum controle, mas não vi nenhuma irregularidade.” Ele afirma que não identificou qualquer fraude nas prestações de contas do PP. “Foi apenas uma falha de controle. Para nós, lá no TSE, era muito difícil descobrir fraudes em processos com milhares de documentos”, diz. “Quem está preparado para isso é o pessoal da Receita e da Polícia Federal.” Ele afirma que tomava os processos dos auditores para ajudá-los. Sua intenção, diz, era aliviar a carga de trabalho de seus subordinados. Caetano foi afastado do cargo no TSE no ano passado. Em abril, foi nomeado coordenador de auditoria do Conselho Nacional de Justiça.

Depois da saída de Caetano, o TSE mudou os procedimentos para exame das contas partidárias. A escolha dos auditores passou a ser feita por sorteio, o coordenador perdeu o poder de tomar processos para si, a análise dos documentos deixou de ser feita por amostragem e acabou o acesso direto de contadores, advogados e dirigentes partidários às salas de trabalho dos auditores. O episódio do PP deixa claro que, nos últimos dez anos, a Justiça Eleitoral praticamente não cumpriu sua atribuição legal de fiscalizar o dinheiro público entregue aos partidos políticos. O orçamento do fundo partidário para este ano é de R$ 324 milhões. Com ou sem um Pedro Corrêa no caminho, é muito dinheiro para tão pouco controle.

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