sábado, 22 de setembro de 2012

Os fatos depois do apagão, por Miriam Leitão


Miriam Leitão, O Globo

O Brasil não estava sob ameaça de apagão em 2003. Quem disse isso, na época, foi a então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff. O apagão de 2001 foi o pior momento do governo Fernando Henrique, mas a gerência da crise pelo então chefe da Casa Civil, Pedro Parente, construiu a solução que está sendo usada na atual seca: a de pôr as termelétricas como geração complementar.
A presidente Dilma disse recentemente que o governo Lula começou sob essa ameaça iminente. Voltou a dizer ontem. Havia muito a fazer na área energética, mas o risco imediato havia sido afastado. Tanto que as suas Medidas Provisórias só foram enviadas ao Congresso em dezembro de 2003, onze meses depois que ela assumiu o Ministério das Minas e Energia.
Em setembro de 2003, perguntada pelo jornal O GLOBO sobre o risco de apagão, ela respondeu: “Falar de risco de apagão é não prestar atenção na atual conjuntura. Não corremos risco de racionamento, nem de apagão. Fizemos um levantamento e podemos garantir que não há risco.”
A nota da presidente ontem foi motivada pela referência a uma declaração sua, de surpresa da rapidez na aprovação das MPs 144 e 145, no voto do ministro Joaquim Barbosa. O que a presidente quer é afastar qualquer ilação de que a rapidez tenha algo a ver com os estranhos fatos políticos da época.
Entende-se que a presidente esclareça a natureza da sua declaração. Difícil aceitar é a repetida tendência de mudar os fatos históricos sobre a crise no setor energético. A aprovação rápida deve ter sido mesmo fruto do trauma que ficou com o apagão, mas, para repor os fatos, foi assim que aconteceu: o governo Fernando Henrique não investiu o suficiente no setor, a economia cresceu muito no ano 2000 e houve uma enorme seca em 2001.
Essa mistura de um ano de crescimento bom e uma seca incomum foi o bastante para provocar a pior crise energética do país.
A solução com as térmicas, como garantia em momentos de escassez hídrica, foi montada na época e tem servido ainda hoje. Este ano, o Operador Nacional do Sistema está “despachando”, como se diz no jargão do setor elétrico, a energia das térmicas.
Além disso, houve enorme engajamento da população na época em reduzir e racionalizar o consumo. Quando a então ministra Dilma assumiu o setor de energia, o país estava passando por um período de excedente de oferta.
Dilma fez várias mudanças: reduziu os poderes da agência reguladora, criou a empresa para o planejamento energético e mudou a regulação do mercado livre. Algumas das suas decisões provocaram períodos de paralisia de investimentos. Sua gestão teve méritos, mas ela também cometeu erros.
Dilma desprezou a energia eólica quando estava claro que essa fonte ficaria mais importante e mais barata em inúmeros países. A energia solar, que é outra fonte que se torna cada vez mais importante, também tem sido desprezada.
Chegaram a ser licenciadas térmicas a carvão e a ideia era fazer um grande leilão dessa fonte no final de 2009, quando Dilma era ministra-chefe da Casa Civil e candidata do ex-presidente Lula. Foi a Conferência do Clima de Copenhague que abriu os olhos do governo para o fato de que carvão numa hora dessas seria ir na contramão mundial.
O projeto da presidente na área de geração é excessivamente concentrado numa única ideia: hidrelétrica na Amazônia. Os custos ambientais não tem sido considerados; os riscos de desequilíbrio social têm sido ignorados. Os sinais de problemas institucionais não estão sendo previstos.
O preço exato da opção tem sido escondido através de subsídios e da presença maciça de estatais e fundos de pensão de estatais, como em Belo Monte.

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