sábado, 22 de setembro de 2012

Do STF para a cela comum, por Flávio Tabak


POLÍTICA


Os bem pagos advogados dos réus do mensalão mostrarão quanto valem no pós-julgamento: brigarão para protelar as prisões, que não serão especiais
Flávio Tabak , O Globo
No hall do Supremo Tribunal Federal (STF), ao lado de uma das entradas para o plenário, o advogado Hermes Guerrero recebe uma mensagem de texto via celular. Seu cliente Ramon Hollerbach, ex-sócio de Marcos Valério, digitara, preocupado: “Pelo Peluso, estou preso?”
O hoje ex-ministro Cesar Peluso havia antecipado, em razão de sua aposentadoria, suas penas aos réus do primeiro item apreciado no julgamento do mensalão, sobre desvios de recursos públicos da Câmara dos Deputados. A notícia era ruim para o cliente de Guerrero: Peluso determinara, naquele 29 de agosto, dez anos de prisão para Hollerbach por crimes como corrupção, mais multa.
A rigidez imposta pelo STF até agora — dez dos 14 réus julgados já foram condenados — terá seu símbolo maior quando as penas começarem a ser cumpridas.
E a aflição de Hollerbach tem origem na mesma curiosidade do resto do país: será que os réus condenados sairão do plenário diretamente para a prisão?
Para começar, um acórdão pode demorar meses, apesar de que a aposta dos próprios advogados dos réus é que sairá muito rapidamente. Há cálculos de especialistas falando em pelo menos seis meses entre o fim do julgamento e o envio dos condenados para a cadeia.
Esse pós-julgamento também justifica a contratação dos advogados criminalistas mais caros do país. E estes poderão se valer de instrumentos jurídicos para tentar mudar algum ponto da decisão dos ministros do Supremo ou simplesmente adiar a aplicação das penas.
Porém, mesmo bem assessorados, os condenados a penas de prisão não poderão escapar das celas comuns das penitenciárias brasileiras. O acaso de uma aposentadoria compulsória fez com que, pela primeira vez na Ação Penal 470, um ministro falasse sobre “anos de regime fechado” em plenário.
Penas do relator Joaquim Barbosa para outro item, no entanto, vazaram por engano no site do Supremo, mas não foram publicadas oficialmente.
Os outros ministros ainda anunciarão suas decisões na parte final do julgamento, quando calcularão a dose de punição. Desde aquele momento, uma nova batalha tem sido planejada pela defesa para postergar ao máximo eventuais prisões.
O benefício da prisão especial para autoridades e diplomados de nível superior só existe para sentenças não definitivas, feitas durante um processo. A do STF será a palavra final da Justiça sobre o caso, que pode estabelecer novos parâmetros de punição para crimes do colarinho branco. Em entrevistas, alguns réus, como o ex-ministro José Dirceu e José Genoino, já admitiram que estão preparados para o pior.
Uma vez na cadeia, figuras conhecidas da política nacional poderão dividir espaço com traficantes, homicidas e assaltantes no já abarrotado sistema prisional brasileiro. De acordo com os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), dos 514 mil presos do país, apenas 575 estão detidos por corrupção ativa; 57, por corrupção passiva e 1.047, por peculato.
O aperto também será grande. São 306 mil vagas divididas por meio milhão de detentos. Segundo especialistas, a única forma de “fugir” das celas comuns seria com transferências para presídios de segurança máxima, menos cheios. Para isso, segundo Thiago Bottino, professor da Escola de Direito da FGV no Rio, o pedido de mudança teria que ser bem fundamentado.
Por outro lado, uma possível condenação ao regime semiaberto não é garantia de vida tranquila. O eventual caso de condenação de um réu com residência no Rio chegaria às mãos do diretor-geral da Vara de Execuções Penais (VEP) do estado, Daniel Vasquez Zuazo.
— O regime semiaberto é idêntico ao fechado. A diferença é que o preso, dependendo do preenchimento de alguns requisitos, pode ter o direito a saídas eventuais. Mas ele está preso o tempo inteiro. Pode sair para trabalhar, estudar ou fazer visitas periódicas à família, se autorizado — esclarece Zuazo.
A escolha do presídio para os condenados não tem a ver com os locais onde os crimes foram cometidos. Em geral, é eleita uma penitenciária próxima ao local onde o condenado tem família, para facilitar visitas.
Há casos em que, de tão cheias, as cadeias sequer têm vagas para regime semiaberto. Em estados como Pernambuco, Ceará e Alagoas, segundo Zuazo, há uma espécie de regressão forçada da pena. O condenado passa do regime semiaberto ao aberto, por falta de espaço.
Até a cadeia, no entanto, há um longo percurso. O cálculo de seis meses entre o fim do julgamento e a prisão foi feito por Bottino, da FGV. Nesse meio-tempo, advogados poderão usar recursos como embargos. São formas para corrigir ou até mesmo alterar o teor de uma decisão por completo. Servem, muitas vezes, apenas para atrasar uma prisão.
Embargos infringentes podem ser feitos se pelo menos quatro ministros absolverem um réu. Com esse recurso, é possível que seja feita uma nova votação do item questionado. Embargos de declaração visam a esclarecer pontos contraditórios ou obscuros do acórdão e, em geral, não têm o poder de mudar o destino do réu.
Com a aposentadoria em novembro do presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, a decisão de levar os embargos à pauta será do ministro Joaquim Barbosa, atual vice-presidente do STF.
— O fato de não ter julgado até hoje o embargo do Donadon (Natan Donadon, deputado federal pelo PMDB de Rondônia condenado a 13 anos de prisão, em outubro de 2010, que ainda não teve seu último recurso julgado pelo STF) não significa que todos vão demorar. Joaquim Barbosa vai julgar logo. De qualquer forma, leva um tempo para o acórdão ser publicado. Cada movimento desses é lento porque depende de uma decisão coletiva — explica Bottino.
Advogado de João Paulo Cunha, Alberto Toron já decidiu que usará embargo infringente na tentativa de anular a condenação de seu cliente por lavagem de dinheiro. João Paulo teve cinco votos de absolvição neste item.
— Será o próximo passo — afirma Toron. — Há acórdãos que levam cinco meses para a publicação, mas esse caso será diferente. Será feito a toque de caixa. É a minha impressão.
O advogado de Hollerbach tem a mesma perspectiva sobre o julgamento dos embargos, igualmente negativa para seu cliente:
— Quando o Ramon me mandou a mensagem de texto, não sei se ele tinha a frieza para entender o que estava sendo decidido. Acho que tudo será rápido, inclusive os julgamentos dos embargos, não tenho ilusão alguma.
Com a experiência de ter sido ministro do STF entre 1990 e 2006, Carlos Velloso antevê uma espécie de segundo turno do julgamento:
— Essa tentativa de protelação vai ocorrer mesmo, a lei admite. Mas, depois, a prisão é comum. Certos condenados, como policiais e promotores, podem ser mortos se presos em celas normais. Eles geralmente têm um local separado na prisão. Os outros, não.

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