Guilherme Manechini, de
O clube do bolinha: na bolsa, os operadores são, na maioria, homens
São Paulo - Há seis anos, o americano Floyd Landis tomou uma decisão que fez sua carreira de ciclista ir do céu ao inferno. Ele teve cassado seu título de campeão da Volta da França, a mais charmosa e importante competição de ciclismo do mundo, após ser flagrado no exame antidoping.
Foi detectado um nível de testosterona muito acima do normal em seu corpo justamente na 17a e última etapa da prova. Como perdera tempo no estágio anterior, Landis decidiu recorrer à droga e acabou protagonizando uma das chegadas mais emocionantes da história da prova. Vista a posteriori, a trapaça foi um dos episódios mais vergonhosos nos mais de 100 anos da Volta da França.
No mundo dos esportes, a testosterona, quando ingerida artificialmente para melhorar a performance, é um exemplo da falta de escrúpulos. Na vida real, produzida de forma natural pelo corpo, ajuda a explicar vários dos comportamentos humanos. Mais presente nos homens, a testosterona está associada à autoconfiança e à agressividade.
John Coates, pesquisador do departamento de neurociência da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, centrou seu trabalho na tentativa de ligar dois mundos aparentemente distantes: a biologia e as finanças. Mais especificamente, comparou os níveis de hormônios e o desempenho de operadores de bancos, a quem ele chama de “atletas”.
Em suas pesquisas, Coates conseguiu provar a correlação entre elevadas taxas hormonais e os altos e baixos da bolsa. Antes de tomar a decisão sobre investir milhões em determinada aplicação, a respiração de um gestor costuma ficar cada vez mais curta, o batimento cardíaco acelera, aumenta a tensão muscular e, às vezes, até o estômago reage.
Quando o resultado imediato da aplicação é positivo, o corpo produz, num estado de euforia, uma quantidade maior de testosterona. É nessa hora que os operadores ficam mais corajosos e competitivos, o que faz os riscos parecer menores. Nos casos em que as decisões de investimento vão mal, o corpo eleva a produção de outro hormônio, o cortisol.
Inicialmente, ele aumenta o grau de excitação e atenção, mas, se os níveis permanecem elevados por muito tempo, os efeitos passam a ser contrários aos da testosterona. O gestor é dominado por uma sensação de incerteza desmedida, o que ajuda a explicar os momentos do mercado conhecidos como de aversão ao risco — quando não há explicação racional para as quedas nos valores dos papéis.
Coates fala com a propriedade de quem conhece seu objeto de estudo em detalhes. Antes de se dedicar à carreira acadêmica, trabalhou em algumas das instituições mais renomadas de Wall Street: Goldman Sachs, Merrill Lynch e Deutsche Bank. Em conversa com EXAME, Coates disse lembrar bem das incoerências de seus colegas nos períodos de alta. “Eles se sentiam invencíveis, onipotentes.
Acabavam perdendo a capacidade de analisar criticamente seus investimentos.” A gota d’água para Coates foi a bolha das empresas de tecnologia no final dos anos 90, uma fase de grande volatilidade. Diante da loucura que imperava nas mesas de operação, decidiu largar o mercado financeiro e passou a estudar o tema sob o prisma da biologia.
O reino da testosterona
Em suas pesquisas, Coates analisou as taxas hormonais de profissionais do mercado financeiro que trabalhavam em Londres e confirmou uma impressão que já tinha desde os tempos de Nova York — nas mesas de operação há uma clara predominância de gênero. Dos 250 operadores analisados, apenas três eram mulheres. “Nesse reino da testosterona”, afirma Coates, “as taxas hormonais flutuavam exatamente no mesmo ritmo dos altos e baixos do mercado.”
Há dois meses, o pesquisador encerrou um ciclo importante de suas pesquisas ao lançar o livro The Hour Between Dog and Wolf: Risk Taking, Gut Feelings and the Biology of Boom and Bust, ou “A hora entre o cão e o lobo: tomada de risco, instinto e a biologia dos altos e baixos”, numa tradução livre.
O título remete a uma expressão francesa da Idade Média utilizada para descrever a mudança de comportamento de soldados no campo de batalha minutos antes do início dos embates. Em meio a urros, com os soldados dominados pela euforia, aqueles momentos eram marcados pela transformação de “cachorros em lobos”.
Para Coates, se as gestoras de recursos quiserem reduzir as decisões de investimentos irresponsáveis, terão de controlar o número de “lobos” e dar mais espaço a mulheres e homens mais velhos e experientes.
O trabalho de Coates está inserido numa ampla área do debate econômico que coloca em dúvida a ideia da racionalidade das decisões. Na primeira metade do século 20, o economista britânico John Maynard Keynes deu ênfase ao papel do “espírito animal”.
“Nossa base de conhecimento para estimar o retorno a ser obtido em dez anos com a construção de uma ferrovia, uma mina de cobre, fábrica de tecidos, um medicamento patenteado, um navio ou um edifício na City de Londres é insuficiente e às vezes nenhuma”, escreveu no clássico Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro.
Se esses cálculos são apenas projeções, como então as decisões são tomadas? “Somente podem ser tomadas como resultado do espírito animal.” São o resultado de “uma exortação espontânea à ação”.
Impelidos pela crise financeira mundial de 2008, George A. Akerlof, professor de Berkeley e prêmio Nobel de Economia em 2001, e Robert J. Shiller, professor de Yale, voltaram ao tema com o livro Espírito Animal, lançado em 2009. Tendo como um de seus objetivos achar explicações para o fato de a economia mundial ter chegado à beira do precipício, os autores exploram a interferência da psicologia humana na tomada de decisões.
“Cada grande queda das bolsas de valores parece inexplicável se olharmos apenas para fatores que logicamente deveriam influenciar os mercados. Quase sempre a mudança está no próprio mercado, e não nos fundamentos da economia”, afirmam Akerlof e Shiller.
Assim como teóricos das finanças comportamentais, Coates, o ex-operador de mesa transformado em pesquisador, buscou explicações para as reações humanas diante da ambiguidade e da incerteza. Sua inovação foi encontrar evidências biológicas que indicam por que as pessoas, em alguns momentos, ficam paralisadas e, em outros, sentem-se energizadas.
Seus maiores críticos, temerosos de que suas pesquisas acabem resvalando numa espécie de “determinismo hormonal”, sempre lembram: quem ocupava o cargo de diretor financeiro do Lehman Brothers quando o banco quebrou em 2008 e detonou o início da crise era Erin Callan. A senhora Erin Callan.
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