Amigas e amigos do blog, coisas incríveis acontecem “nestepaiz”. Fiquei sabendo que houve gente comemorando a “absolvição” de Lula em relação ao mensalão porque, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal rejeitou incluir o ex-presidente como réu do processo do grande escândalo.
NÃO É NADA DISSO!
O Supremo, seguindo o voto do relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, entendeu que não cabe à Corte “impor” ao Ministério Público quem ele deve denunciar ou não, pelo caso.
Foi o advogado do presidente do PTB, Roberto Jefferson, quem pediu à corte que Lula passasse a figurar como réu no processo iniciado pelo procurador-geral da República em 2006.
O advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, juiz aposentado, é macaco velho. Ele quis fazer barulho e jogar pressão, em nome de Jefferson, sobre Lula, porque certamente sabia de antemão que, mesmo supondo ser verdadeira sua assertiva de que Lula fora quem ordenara a compra de votos para apoio a seu governo, o ex-presidente não poderia ser incluído no processo pelo Supremo.
E por quê?
Porque, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil(veja o artigo 129, inciso I), o Ministério Público, em nome da sociedade, é o único titular da ação penal pública. Ou seja, em havendo crime — exceto em casos como crimes contra a honra, em que o ofendido pode decidir se processa ou não o ofensor –, a denúncia perante a Justiça, em nome de toda a sociedade, interessada em manter a ordem e no cumprimento das leis, só pode ser feita pelo Ministério Público, a quem incumbe, de acordo com a Constituição (artigo 127), “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (aqueles de que o cidadão, mesmo querendo, não pode dispor, não pode abrir mão).
Se alguém sofre uma tentativa de homicídio, evidentemente dará queixa à polícia. Mas, apurados os fatos em inquérito policial, esse alguém não pode processar o suposto autor. O inquérito é remetido ao Ministério Público (nesse caso, do Estado) e um promotor público iniciará a ação criminal.
O que o Supremo, portanto, fez no caso foi tomar uma decisão TÉCNICA e PROCESSUAL: a Constituição não lhe dá poderes para “mandar” o Ministério Público incluir alguém em uma ação penal. Trata-se de prerrogativa exclusiva — no caso, do procurador-geral da República.
Esclarecido esse ponto fundamental, continuo com a tese que já defendi aqui: Lula deveria, sim, estar sentado no banco dos réus, ao lado dos 38 mensaleiros.
O procurador-geral da República não o incluiu como denunciado, lá atrás, em 2006, por razões que só ele sabe, mas que suspeito tenham a ver com o temor de uma crise institucional grave, devido à enorme popularidade do presidente e ao fato óbvio de que, uma vez denunciado, Lula se tranformaria em vítima “das elites” que pretenderiam “derrubá-lo” — mesmo sendo o então procurador, Antonio Fernando de Souza, tanto quanto o atual, Roberto Gurgel, nomes selecionados pelo Palácio do Planalto e submetidos à aprovação do Senado.
O que quero dizer às amigas e aos amigos do blog é que, sim, pessoalmente, aqui do meu modesto canto, vejo claríssimas razões para que Lula devesse estar sentadinho no banco dos réus.
Lula deveria, sim, estar no banco dos réus pelo escândalo do mensalão.
E por quê?
Aqui, vou me repetir (“Ah, como é doce repetir-se”, chegou a escrever Nelson Rodrigues).
Indo por partes.
O advogado acusou Lula de ter “ordenado” o pagamento de parlamentares para facilitar a formação de uma base governista no Congresso. Argumentou (é é a poura verdade!) que apenas Lula, como presidente da República — e mais ninguém do Executivo, porque a Constituição não deixa –, detinha a prerrogativa atribuída constitucional de apresentar ao Congresso projetos de lei durante o lulalato.
Portanto, somente ele, Lula, poderia corromper parlamentares para que votassem segundo os interesses de seu governo.
Os ministros denunciados, a começar pelo chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, seriam apenas executores do mensalão ou “braços operacionais” de Lula no esquema.
Barbosa não teve papas na língua para abordar o papel de Lula na coisa toda:
– Não se pode afirmar que o presidente Lula fosse um pateta, um deficiente, que sob suas barbas estivessem acontecendo essas tenebrosas transações. Tudo acontecendo sob suas barbas… e nada?
Não ficou só nisso:
– Lula é safo, é doutor honoris causa e, não só sabia, como ordenou o desencadeamento de tudo isso que deu razão à ação penal. Sim, ele ordenou. Aqueles ministros eram apenas executivos dele.
O advogado usou de expediente para fazer barulho ao pedir que o Supremo incluísse Lula na ação, como já expliquei.
Mas, no fundamental, ELE TEM RAZÃO!
Surgiu com Seneca, no Império Romano de há 2 mil anos, o princípio do, em latim, cui prodest: a quem aproveita o crime? Lucius Annaes Seneca, ou Sêneca (4 a.C-65 d.C), não foi apenas um grande filósofo, como também um grande advogado. É dele a frase, em sua versão da tragédia Medeia: “Cui prodest scelus, is fecit”. “A quem aproveita o crime, esse o cometeu.”
Como escrevi anteriormente, isso até eu, mero bacharel em Direito que nunca exerceu a advocacia, sei. Aprendi nas salas de aula da Universidade de Brasília, com os professores Roberto Lyra Filho e Luiz Vicente Cernicchiaro, então juiz criminal — e mais tarde ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Sendo assim, pergunto a quem duvida da tese que exponho: por que raios José Dirceu, apontado pelo Ministério Público como o “chefe da quadrilha” do mensalão, montaria um esquema de corrupção para cooptar deputados sem que isso aproveitasse ao governo Lula, a quem servia?
José Dirceu armaria o mensalão para quê? Para ele?
Com que objetivo?
Se, como lembrou o advogado, só quem, no Executivo, dispõe da prerrogativa constitucional de enviar projetos ao Congresso – e, ali, fazer sua base parlamentar aprová-los – é o presidente da República?
Aí vem de novo o inacreditável discurso em que Lula, em agosto de 2005, acabrunhado e pálido, pede desculpas à nação. E se diz “traído”.
Se ele naquela ocasião abrisse o jogo, dissesse o porquê das desculpasse e apontasse quem o traiu – suponhamos que fosse Dirceu –, eu não estaria teria escrito o post anterior em que defendi a tese, nem estaria redigindo este aqui.
Isso, contudo, não aconteceu, como sabemos. Ficamos, estarrecidos, diante da situação kafkiana de um presidente da República pedindo desculpas ao país por algo que ocorreu de deplorável, errado e grave — e mais tarde, já fora do cargo, esquecer o discurso e dizer que o mensalão foi uma “tentativa de golpe” e uma “invenção” das “lites” para “derrubá-lo” — farsa essa que prometeu “desmascarar” (promessa de que também se esqueceu).
Por que Lula pediria desculpas, se nada errado havia ocorrido em seu governo e no comando do PT?
E a situação kafkiana continuou, com o então presidente acusando alguém ou alguns de algo gravíssimo – traição – sem, contudo, jamais identificá-los, nem esclarecer que tipo de traição havia se passado.
Para mim está claro, hoje, que o discurso não passou de manobra para baixar a crescente indignação na sociedade diante da vastidão do escândalo e para serenar os ânimos de parlamentares que, apesar de intimidados pela popularidade de que Lula continuava desfrutando, cogitaram seriamente de tentar decretar seu impeachment.
Algo que a oposição, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apressou-se a refrear, diante do que se considerou, então, o risco de uma seríssima crise institucional.
ATENÇÃO: não estou chamando Lula de ladrão, nem dizendo que ele é culpado de coisa alguma.
Acho, sim, correta a tese do advogado de Jefferson: Lula deveria estar sendo JULGADO.
Havia e há motivos suficientes para isso.
Se após o exaustivo trabalho do Ministério Público e do Supremo — mais de 700 testemunhas ouvidas, autos constituídos por 50 mil páginas, 234 volumes e 500 apensos — os mensaleiros forem absolvidos, muito que bem. A Justiça deu seu veredito final – e Lula, caso carregasse a condição de réu, estaria livre, leve e solto.
Se os mensaleiros, porém, forem condenados, ou os principais deles merecerem punição contida no Código Penal, Lula, que não é réu, deixará de pagar por um crime que terá sido comprovadamente cometido, em seu proveito – mas estará igualmente livre, leve e solto
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