GOIÂNIA - O constrangimento e, ao mesmo tempo, o corporativismo marcaram os primeiros dias de trabalho de Demóstenes Torres no Ministério Público (MP) de Goiás, depois de uma ausência de 13 anos. O ex-senador, que reassumiu o cargo de procurador de Justiça após a cassação no Senado há 15 dias, dá expediente na sede do MP em Goiânia desde a última sexta-feira, 20. Ele aparece para trabalhar, mas por poucas horas no dia.
Demóstenes prefere as manhãs, quase não é visto à tarde e sobe ao terceiro andar — onde está seu gabinete — por um elevador lateral e pouco usado, com acesso direto à garagem. Nesta quinta-feira, o ex-senador deixou seu gabinete às 12 horas e só retornou, quatro horas e meia mais tarde, para uma reunião com uma pessoa que o aguardava, já há uma hora. Por mês, ele ganha R$ 24 mil.
O constrangimento é tanto que promotores relatam ser alvo de piadas de réus em audiências na Justiça, pelo fato de o MP acolher o senador cassado por colocar o mandato a serviço do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Mesmo assim, a cúpula da instituição — comandada pelo irmão de Demóstenes, Benedito Torres Neto, procurador-geral de Justiça — até agora vem blindando o ex-senador nos procedimentos abertos para investigar as relações do agora procurador de Justiça com Cachoeira.
A instituição não dá explicações sobre a sindicância aberta pela Corregedoria-Geral. O corregedor-geral, Aylton Flávio Vechi, recusou-se a falar com a reportagem do GLOBO, que esteve na sede do MP goiano na tarde desta quinta-feira. No fim de março, um mês depois de deflagrada a Operação Monte Carlo, Vechi manifestou solidariedade a Demóstenes no Colégio de Procuradores de Justiça.
Promotores contrários à permanência do ex-senador no MP relatam que, por enquanto, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não foi acionado para apurar a situação de Demóstenes. Outra frente de investigação, um inquérito aberto pelo próprio MP para investigar improbidade administrativa e supostos crimes cometidos pelo ex-senador e por seu irmão, também citado nos grampos da Monte Carlo, está emperrada: menos de 40% do material remetido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a ser avaliado.
Uma preocupação da cúpula da instituição é esconder o teor dos processos judiciais remetidos para o gabinete do procurador. A Superintendência Judiciária, que distribui os processos; a Comissão de Distribuição de Processos, responsável por decidir para onde são remetidas as demandas; e a Corregedoria-Geral, que comanda a sindicância, não informam quais são os primeiros autos nos quais Demóstenes terá que trabalhar.
Demóstenes pede para atuar na área cível
O ex-senador atua na área criminal, setor que o projetou politicamente, mas já teria conseguido mudar para área cível. Responsável pelo inquérito que apura supostas ilegalidades na relação de Demóstenes com Cachoeira, bem como a proximidade de Benedito Torres com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), o procurador de Justiça Pedro Tavares Filho descarta a existência de qualquer pedido de suspensão das atividades de Demóstenes como procurador enquanto corre a sindicância aberta na Corregedoria-Geral. Cabe ao Conselho Superior do MP decidir pela suspensão ou não do servidor. O conselho é presidido por Benedito, investigado pelo MP e pelo CNMP.
Quando retornou ao trabalho nesta quinta-feira, quase no fim da tarde, Demóstenes estava bem humorado. Mas, diante da abordagem da reportagem de O GLOBO e de um pedido de entrevista, mudou a feição:
— Não falo com vocês, de jeito nenhum. Sem chance — disse o ex-senador.
O MP de Goiás informou que Demóstenes ainda não recebeu o primeiro salário e que a sindicância Corregedoria-Geral aguarda documentos solicitados ao Senado e à PGR.
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