A jornalista Erica Fraga, Folha de S. Paulo deste domingo, ouviu o economsita Marcos Lisboa, que avisou: "O corte de gastos que o governo tenta implementar poderá evitar que o País mergulhe em uma situação ainda mais dramática que a atual, mas não será suficiente para a retomada do crescimento". Marcos Lisboa acha que a crise agora é mais grave do que as deflagradas pela desvalorização cambial em 1999 e pela eleição do ex-presidente Lula, em 2002.
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Um dos acadêmicos mais respeitados do País, Lisboa integrou a equipe econômica de Lula. Após passagem pelo mercado financeiro, foi para o Insper, centro de ensino e pesquisa de ponta em São Paulo. Na semana passada, assumiu de Cláudio Haddad, fundador da instituição, o cargo de presidente.
Como o Insper tem mudado?
Marcos Lisboa (ML) – O Insper muda continuamente. Para os docentes de tempo integral, abrimos diversas especializações, permitindo que alguns sejam mais dedicados à pesquisa acadêmica com fins de publicação nos jornais de fronteira, que outros se dediquem a temas mais relacionados ao Brasil, que outros sejam mais dedicados à sala de aula, ao ensino. E todos são reconhecidos pela excelência no que fazem. Montamos um doutorado em “business economics” que vai começar neste ano, a graduação em engenharia acabou de começar. Fizemos uma agenda grande de eventos de debates sobre política pública no ano passado.
Você liderou esse debate sobre a importância da avaliação de políticas públicas no Brasil. A ideia é que o Insper colabore nisso?
ML – Sim, esse é um tema relevante. O debate sobre política pública no Brasil com frequência cai em uma polarização que pode ser boa para a retórica, mas não ajuda a resolver os problemas.Se você não tem instrumentos de avaliação, não sabe se uma política funcionou ou não, se deve ser continuada, extinta ou ampliada. Eu tenho R$ 100 para gastar. Onde vou gastar? Qual é a prioridade: o Fies, o Pronatec ou o crédito subsidiado? Qual é o impacto de cada um deles para o bem-estar do país? Sem avaliação independente, cuidadosa, de impacto, eu não sei. A gente teve uma fantasia meio juvenil de que os recursos eram ilimitados. Má notícia? Eles não são.
Em que medida isso tem prejudicado o desenvolvimento?
ML – Começamos a ter evidências de que há consequências graves. O Brasil teve essa mudança profunda na política econômica após 2008, 2009. Fez um resgate do nacional-desenvolvimentismo. Na década de 1980, isso levou a um fim bastante penoso.Depois, aos poucos, o Brasil foi se tornando um país mais semelhante ao mundo desenvolvido, até que, com a crise de 2008, vem uma reação semelhante a de 1974. Aumenta o grau de proteção à economia, de intervenção do poder público na concessão de benefícios e privilégios para setores selecionados. Você faz desoneração para A e não faz para B, cria regras de conteúdo nacional, expande enormemente o crédito subsidiado. O problema é que essas políticas se estenderam pelo primeiro mandato da presidente Dilma. O discurso era “estamos evitando a crise, mantendo o país crescendo, enquanto o resto do mundo não cresce”. Deu errado, o País parou de crescer e passou a retroceder.
Como essa crise se compara com outras anteriores?
ML – As pessoas gostam muito de comparar a crise atual com 1999 e 2002, eu sou mais pessimista. Acho que a crise atual é mais grave, porque você não tem apenas um desarranjo macroeconômico.
O desarranjo macroeconômico é uma das consequências dessa política de intervenção, que teve impactos negativos sobre a produtividade e o crescimento.
Fazer o ajuste fiscal neste ano é extremamente difícil dado o descontrole dos anos anteriores, e isso pode evitar uma crise mais aguda. Mas não ajuda a retomar o crescimento porque há todas as distorções que foram induzidas na microeconomia, com a política de conteúdo nacional, os controles tarifários, as medidas de proteção.Isso gerou um quadro muito prejudicial para o setor produtivo. Nossa produtividade estagnou e, sem ganho de produtividade, é difícil ter crescimento relevante.
Há sinais de melhora?
ML – A boa notícia dos últimos meses é que o governo parece ter reconhecido os graves equívocos que fez. É um reconhecimento tácito, difícil, constrangido. Mas não adianta só reconhecer que errou, fazer algo diferente e achar que está bem. Se tecnicamente for malfeito, vai dar errado.A necessidade do ajuste fiscal não vai terminar em 2015 nem em 2016. Os gastos da sociedade com os inativos vão aumentar ano após ano. Vejo com preocupação o debate ir na direção de não aprovar algumas medidas que buscam resolver problemas mais estruturais, como o seguro-desemprego ou o abono salarial, da forma como elas foram propostas.
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