Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
Julgado útil ao conhecimento de si mesmo pelos filósofos gregos, ou maléfico pela Igreja medieval, esse objeto aparentemente banal carrega um forte simbolismo. Segundo Jean Cocteau, "O espelho faria bem em apreciar o que faz antes de devolver nossa imagem'.
O espelho antigo era um pequeno disco de bronze, convexo, apoiado num pequeno suporte, com mais ou menos vinte centimetros de diâmetro. Segundo Sócrates, esse auxiliar do "conheça-te a ti mesmo" levava o homem a vencer seus limites e a triunfar sobre seus vícios e fraquezas. O filósofo propunha um espelho para os bêbados para que sua imagem repulsiva os dissuadisse de beber. Para Sêneca, o espelho levava o homem a agir de acordo com sua imagem.
Isso na teoria. Na prática, os homens abandonaram a lição do espelho. Em vez de se ver, passaram a se admirar e a se contemplar. Na mitologia grega, Narciso, ao contemplar seu reflexo na água, fica perdidamente apaixonado e morre de desgosto (abaixo, Eco e Narciso, em tela de John William Waterhouse).
Na Idade Média surge o espelho de vidro, um objeto de luxo emoldurado em ouro ou prata, protegido por uma pequena caixa esculpida muitas vezes em marfim. Os espelhos de metal continuam a ser fabricados - 'de estanho', como eram chamados na época - e eram os mais comuns.
Durante a Inquisição, ter um espelho era prova de bruxaria. Para a Igreja, o espelho continha demônios dentro dele. O uso do espelho era considerado pecaminoso. O que não impediu que os mais poderosos príncipes do mundo de então, dentre os quais Catarina de Medicis, mulher de Henrique II de França, recorressem à adivinhação pelo espelho para tomar suas decisões políticas.
A apologia da exibição teve sua apoteose no século XVII. Em Veneza, os mestres vidraceiros, utilizando o vidro soprado, conseguem uma matéria mais transparente que o cristal de rocha, o que torna o espelho mais brilhante e o eleva à condição de arte.
Espelho veneziano, com a moldura em pasta de vidro ao estilo de Murano do século XVII
Mas foi na França, entre 1690 e 1720, que um novo método permitiu obter espelhos comparáveis em qualidade aos de Veneza, mas com dimensões muitas vezes maior. A Galeria dos Espelhos, em Versailles, é o melhor exemplo (abaixo).
Os moralistas continuavam a se bater contra o espelho, alegando que quanto mais nós nos olhamos, menos nos vemos. Condenavam a contemplação de si mesmo.
O espelho muitas vezes é associado à verdade, como por exemplo no Espelho da Rainha em Branca de Neve. E também é tido como aquele que dissimula a verdade, como em Don Quixote, onde o Cavaleiro dos Espelhos, Sansão, o bacharel, é inimigo jurado do Fidalgo e lhe rouba a inspiração.
No século XIX o espelho torna-se objeto útil para as mulheres e para os homens. Sem distinção...
Objetos de toilette de Napoleão I
Jacques Lacan definia o estágio do espelho, como aquele em que a criança se dá conta que está se vendo no espelho. Esse reconhecimento de si mesma, posto que antes de se ver num espelho uma criança não conhece como é seu rosto, se dá, em geral, entre os 18 e os 24 meses. É o momento em que a criança compartilha vários sentimentos, tais como empatia, orgulho, vergonha, aceitação ou negação de si mesmo, curiosidade, alegria.
É também o símbolo de uma porta, do limite em direção a um outro mundo, como bem valorizado na Alice de Lewis Carroll.
Não faz tanto tempo assim, em termos de História, nas casas onde houvesse um falecimento, cobriam-se os espelhos e tapavam-se os recipientes de água para que a alma do defunto não ficasse prisioneira. A ideia do malefício ligado ao espelho ainda persiste já que, quebrado, dizem logo que trará sete anos de azar...
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