quarta-feira, 19 de março de 2014

MITOLOGIAS, por Laurence Bittencourt


Um dos livros (ou ensaio, como querem alguns) mais belos e emblemáticos da vasta obra de Freud é “Totem e Tabu”. A arqueologia, a etnologia, a sociologia, a antropologia, a biologia e mesmo muito da História das Religiões, foram mobilizados por Freud como suporte, como auxilio, como socorro, para a sua grande audácia, ou ousadia intelectual, que foi a construção de um suposto inicio, uma suposta gênese da sociedade humana, e, claro, tudo isso envolto, amalgamado às teses da psicanálise criada por ele.
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            O ensaio “Totem e Tabu” veio ao mundo em 1912, portanto, dois anos antes de explodir a chacina que foi a Primeira Grande Guerra Mundial, conflito mundial ocorrido entre 1914 e 1918. Voltando a Totem e Tabu, através de uma vasta leitura praticada por Freud o mesmo foi compondo o seu mosaico, ou quebra cabeça. Tomando de empréstimo a pesquisa de vários autores o pai da psicanálise foi desenvolvendo seu rico pensamento. Vale a pena acompanhar.
Do grande Charles Darwin (biólogo e naturalista inglês) Freud toma de empréstimo a ideia de que o homem em tempos arcaicos, primitivos, remotíssimos, vivia em hordas dominadas por um macho brutal que tinha todas as fêmeas para si. Freud constrói a ideia de que um pai tirano está na origem da humanidade e que o mesmo dará lugar a um pai simbólico. Mas acompanhemos.
            De um antropólogo chamado Atkinson, Freud extrai a ideia de que esse sistema patriarcal primevo culmina com a rebelião dos filhos aliados contra o pai, matando-o e devorando o seu corpo. Por outro lado, de um profundo conhecedor e estudioso da História das Religiões, Robertson Smith, Freud acopla a ideia de que a horda paterna deu lugar ao clã fraterno totêmico. Ou seja, para poderem viver unidos, os irmãos renunciaram às mulheres pelas quais tinham matado o pai, e com isso, então, aceitaram submeter-se à exogamia e a família se organizou.
            Ao mesmo tempo, segue Freud, a ambivalência em relação ao pai da horda morto se manteve. Para tanto, no lugar do pai surge um determinado animal totêmico, e uma vez ao ano, os homens se reuniam em um banquete totêmico, matando o animal (sagrado) e comendo-o, repetindo assim aquilo que fora feito com o pai da horda. Esse banquete extremamente arcaico, arqueológico, passou a ser, segundo Freud, uma espécie de representação do parricídio que deu origem à ordem social, às leis morais e a religião.
            De acordo ainda com Freud, nesse ensaio, o pai morto, paradoxalmente, deu origem ou fez surgir a lei, lei essa que rege a cultura, qual seja, a lei do incesto, que proíbe e interdita o incesto. Como percebeu e disse Lacan, lendo notavelmente Freud, “é em nome desse pai que o pai fala”, ou seja, os futuros pais, de um ponto vista simbólico, perpetuam essa lei.
            Hoje, claro, a psicanálise entende claramente e sabe diferenciar entre o pai simbólico, que é o representante da lei, que pode ou não coincidir com o pai da realidade, e o pai imaginário, rival, que a criança quer matar para roubar o objeto do seu desejo. 
            Tudo isto contido neste ensaio magistral, chamado “Totem e Tabu”, nessa construção freudiana, pode ser um grande mito, como o próprio Freud chamou, mas, é inegável que o gênio freudiano não pode ser jogado fora, e sua obra, esta, tem um valor inestimável para a cultura e abriu comportas que só os gênios são capazes.
Laurence Bittencourt, jornalista

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