O Estado de S.Paulo - 27/12
Acabou o tempo do dinheiro fácil para financiar o "socialismo do século 21" na América Latina. A profunda crise na Venezuela tem afastado de sua órbita, na prática, os países que, embora ainda compartilhem o mesmo discurso demagógico e o mesmo desapreço pela democracia do falecido caudilho Hugo Chávez, entenderam que a proximidade com o chavismo já não é mais lucrativa. Há contas a pagar, e vários governos ditos "bolivarianos" perceberam que, para isso, terão de atrair investimentos externos e aceitar a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI), em vez de esperar que o governo venezuelano venha em seu socorro.
"O bolivarianismo foi criado e mantido em torno de três elementos: o carisma, o talão de cheques e as ideias de Chávez. Hoje, a Venezuela não tem dinheiro nem para comprar papel higiênico", disse para o Estado o analista venezuelano Moisés Naim, do Carnegie Endowment for International Peace.
O esgotamento do modelo bolivariano de integração regional, conforme descrito por Naim, é evidente. Um exemplo representativo desse colapso foi noticiado pelo jornal venezuelano El Nacional, segundo o qual a Venezuela cortou em 68% a ajuda que dava aos países do Petrocaribe. Trata-se de uma zona econômica especial, criada por iniciativa de Chávez, na qual o petróleo venezuelano é vendido a países caribenhos a preços módicos e em condições de pai para filho - a Jamaica, por exemplo, pagava sua cota com aulas de inglês para os venezuelanos.
O presidente da estatal petroleira PDVSA, Rafael Ramírez, foi surpreendentemente claro ao comentar que os beneficiados pelos acordos do Petrocaribe terão de se contentar com menos daqui para a frente, já que as necessidades da Venezuela se impõem de forma urgente. "Temos dito a alguns países que estamos precisando de diesel para usinas elétricas. A prioridade está aqui, e não posso exportar", disse Ramírez.
O caso mais significativo do afastamento pragmático dos clientes do chavismo, no entanto, é o da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Enquanto a Venezuela afunda - em meio a uma inflação de mais de 50%, crescimento econômico de 1%, desemprego de quase 10%, desabastecimento generalizado e apagões diários -, Bolívia, Equador e Nicarágua adotam políticas de ajustes na economia para obter meios de financiamento independentes de Caracas.
Na Bolívia, apesar de manter o discurso nacionalista e estatizante, o presidente Evo Morales parece disposto a aprovar reformas que facilitem o investimento estrangeiro na exploração de suas riquezas minerais. Nada disso significa que Evo tenha tomado juízo, mas sinaliza a preocupação boliviana diante das dificuldades de seu patrono chavista - cuja infinita bondade, na época de ouro do populismo petroleiro, permitiu que Evo e outros companheiros latino-americanos bancassem o assistencialismo travestido de "fim da pobreza" que tantos votos lhes deu nos últimos anos.
Pelas mesmas razões, a Nicarágua do sandinista Daniel Ortega seguiu as recomendações do FMI e fez reformas para reduzir o déficit externo e aumentar as reservas internacionais. No Equador, o governo busca um acordo de livre-comércio com a União Europeia, uma atitude que contrasta com a da Venezuela, cujo presidente, Nicolás Maduro, disse que "o livre-comércio é como trocar pepitas de ouro por espelhinhos, sistema com o qual nos colonizaram há 500 anos". É desse tipo de reducionismo primitivo que os sócios da Venezuela na Alba parecem querer se distanciar.
Os prejuízos causados pela crise venezuelana não se limitaram aos países da Alba e do Petrocaribe. A Argentina, por exemplo, socorreu-se várias vezes do dinheiro venezuelano para amortizar dívidas. Hoje, esse tipo de ajuda não é mais possível, e isso explica em parte os apuros da presidente Cristina Kirchner.
Ao propor a fundação da Alba, Chávez disse que a integração latino-americana por ele projetada era vital: "Ou nos unimos ou afundaremos". Pelo visto, os países bolivarianos estão se afastando da Venezuela justamente para evitar esse abraço dos afogados.
Acabou o tempo do dinheiro fácil para financiar o "socialismo do século 21" na América Latina. A profunda crise na Venezuela tem afastado de sua órbita, na prática, os países que, embora ainda compartilhem o mesmo discurso demagógico e o mesmo desapreço pela democracia do falecido caudilho Hugo Chávez, entenderam que a proximidade com o chavismo já não é mais lucrativa. Há contas a pagar, e vários governos ditos "bolivarianos" perceberam que, para isso, terão de atrair investimentos externos e aceitar a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI), em vez de esperar que o governo venezuelano venha em seu socorro.
"O bolivarianismo foi criado e mantido em torno de três elementos: o carisma, o talão de cheques e as ideias de Chávez. Hoje, a Venezuela não tem dinheiro nem para comprar papel higiênico", disse para o Estado o analista venezuelano Moisés Naim, do Carnegie Endowment for International Peace.
O esgotamento do modelo bolivariano de integração regional, conforme descrito por Naim, é evidente. Um exemplo representativo desse colapso foi noticiado pelo jornal venezuelano El Nacional, segundo o qual a Venezuela cortou em 68% a ajuda que dava aos países do Petrocaribe. Trata-se de uma zona econômica especial, criada por iniciativa de Chávez, na qual o petróleo venezuelano é vendido a países caribenhos a preços módicos e em condições de pai para filho - a Jamaica, por exemplo, pagava sua cota com aulas de inglês para os venezuelanos.
O presidente da estatal petroleira PDVSA, Rafael Ramírez, foi surpreendentemente claro ao comentar que os beneficiados pelos acordos do Petrocaribe terão de se contentar com menos daqui para a frente, já que as necessidades da Venezuela se impõem de forma urgente. "Temos dito a alguns países que estamos precisando de diesel para usinas elétricas. A prioridade está aqui, e não posso exportar", disse Ramírez.
O caso mais significativo do afastamento pragmático dos clientes do chavismo, no entanto, é o da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Enquanto a Venezuela afunda - em meio a uma inflação de mais de 50%, crescimento econômico de 1%, desemprego de quase 10%, desabastecimento generalizado e apagões diários -, Bolívia, Equador e Nicarágua adotam políticas de ajustes na economia para obter meios de financiamento independentes de Caracas.
Na Bolívia, apesar de manter o discurso nacionalista e estatizante, o presidente Evo Morales parece disposto a aprovar reformas que facilitem o investimento estrangeiro na exploração de suas riquezas minerais. Nada disso significa que Evo tenha tomado juízo, mas sinaliza a preocupação boliviana diante das dificuldades de seu patrono chavista - cuja infinita bondade, na época de ouro do populismo petroleiro, permitiu que Evo e outros companheiros latino-americanos bancassem o assistencialismo travestido de "fim da pobreza" que tantos votos lhes deu nos últimos anos.
Pelas mesmas razões, a Nicarágua do sandinista Daniel Ortega seguiu as recomendações do FMI e fez reformas para reduzir o déficit externo e aumentar as reservas internacionais. No Equador, o governo busca um acordo de livre-comércio com a União Europeia, uma atitude que contrasta com a da Venezuela, cujo presidente, Nicolás Maduro, disse que "o livre-comércio é como trocar pepitas de ouro por espelhinhos, sistema com o qual nos colonizaram há 500 anos". É desse tipo de reducionismo primitivo que os sócios da Venezuela na Alba parecem querer se distanciar.
Os prejuízos causados pela crise venezuelana não se limitaram aos países da Alba e do Petrocaribe. A Argentina, por exemplo, socorreu-se várias vezes do dinheiro venezuelano para amortizar dívidas. Hoje, esse tipo de ajuda não é mais possível, e isso explica em parte os apuros da presidente Cristina Kirchner.
Ao propor a fundação da Alba, Chávez disse que a integração latino-americana por ele projetada era vital: "Ou nos unimos ou afundaremos". Pelo visto, os países bolivarianos estão se afastando da Venezuela justamente para evitar esse abraço dos afogados.
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