O Estado de S.Paulo - 28/12
Fantasmas e almas penadas são invisíveis. Basta um barulho estranho numa noite escura para eles surgirem em nossa imaginação. Os pássaros não são diferentes, basta ouvir um ruído estranho e eles fogem. Para os pássaros, a alma penada é o ruído produzido pelas estradas, produto de nossa civilização. Os ecologistas desconfiavam que as estradas assustavam os pássaros, mas só agora, com a construção de uma estrada fantasma, puderam comprovar a exatidão de suas suspeitas.
É impressionante a quantidade de estradas que o homem construiu desde que descobriu a roda. Imagine que você coloque um alfinete em qualquer lugar nos EUA. Em 83% dos casos, ele vai estar a menos de 1 km de uma rua ou estrada por onde trafegam carros.
As estradas têm sido muito estudadas pelos biólogos. Sabemos que muitas espécies são atropeladas, paralisadas no meio da pista pelo ruído ou pela luz dos faróis. Mas essas são as espécies menos prejudicadas. Há animais terrestres que não ousam cruzar uma estrada asfaltada. Em alguns casos, o isolamento das populações de cada lado da estrada é tão radical que, aos poucos, as duas populações vão se tornando diferentes. Assim como Darwin observou que populações de pássaros isoladas nas diferentes ilhas do Oceano Pacífico deram origem a diferentes espécies, uma dia, talvez, tenhamos o lagarto do norte da Transamazônica e o lagarto do sul da Transamazônica.
Pássaros sobrevoam estradas sem problema, mas, como usam pios e trinados para se comunicar, os cientistas desconfiavam que o barulho das estradas alterava seu comportamento. Mas como estudar o efeito do ruído se as estradas estão próximas de habitações humanas, de fontes de luz e outras perturbações ambientais? A solução foi construir uma estrada fantasma.
Em uma reserva ecológica em Idaho, nos EUA, os cientistas escolheram um trecho de 500 metros na crista de uma longa montanha e colocaram 15 grupos de alto-falante ligados a amplificadores. Para abastecer de eletricidade o sistema foram usados grupos de baterias. Esses sistemas de som foram interligados de modo a garantir que havia uma fonte de som a cada 30 metros. A estrada fantasma, só detectada por nosso sistema auditivo, estava pronta.
Em seguida, os cientistas gravaram o som de carros passando por várias estradas e fizeram uma colagem das gravações. O som gravado foi tocado nos alto-falantes espalhados pela estrada imaginária. Sua intensidade e distribuição foram ajustadas cuidadosamente. O som era raro e esporádico durante a noite, aumentava de manhã, permanecia ao longo do dia e diminuía ao entardecer, tal como ocorre nas estradas verdadeiras.
O outono é a época de migração dos pássaros que passam pela região. Os cientistas já sabiam que os pássaros ficam menos de oito dias na reserva onde estava localizada a estrada fantasma. Por esse motivo, decidiram que a estrada operaria (teria som) por quatro dias seguidos e ficaria inexistente (sem som) por outros quatro dias. Isso se repetiu durante um período de três meses, entre 19 de agosto e 9 de outubro de 2012.
Durante esse tempo, um grupo de observadores, acampados no local 24 horas por dia, identificou e contou os pássaros que pousavam ao longo da estrada e nos seus arredores. Essas pessoas identificavam os pássaros visualmente ou pelo som e marcavam o local e a hora em que haviam observado o animal. Dessa forma foi possível determinar quantos pássaros de cada espécie pousava em cada ponto ao longo da estrada (e a que distância da estrada), em cada hora do dia e da noite. Comparando os dados obtidos nos dias em que a estrada estava presente (com barulho) com os dados dos dias em que ela estava ausente (silenciosa) foi possível avaliar em detalhes o efeito do ruído da estrada sobre os pássaros.
Foram observadas 59 espécies de pássaros ao longo da estrada, mas somente foram analisados os dados das 22 espécies mais frequentes. Dessas, 13 espécies claramente evitavam pousar na região da estrada fantasma quando ela estava ligada. Além disso foi observado um gradiente muito claro: a medida que o ruído aumentava, o número de pássaros diminuía. Esse efeito foi detectado a até 300 metros de cada lado da estrada. O mais interessante é que os pássaros que produzem piados e gorjeios parecidos com os ruídos da estrada eram os que mais evitavam pousar perto da estrada. Pássaros que produziam sons com comprimentos de onda muito diferentes do ruído dos carros não evitavam tanto a estrada fantasma.
Esses resultados demonstram que o barulho típico de uma estrada, mesmo na ausência da estrada propriamente dita, afasta os pássaros do local. Quanto maior o nível do ruído, mais distantes ficam os pássaros, e quanto mais parecido com o ruído da estrada for o canto de um pássaro, mais ele vai evitar pousar perto da via.
Talvez você ache esse efeito pequeno. Mas lembre: o efeito nocivo aos pássaros se estende por 300 metros de cada lado da estrada. Se 83% dos locais nos EUA estão a menos de mil metros de uma estrada, é fácil deduzir que em uma grande fração do território dos EUA o ruído das estradas já altera o comportamento dos pássaros. Um prato cheio para os estudos de impacto ambiental.
Fantasmas e almas penadas são invisíveis. Basta um barulho estranho numa noite escura para eles surgirem em nossa imaginação. Os pássaros não são diferentes, basta ouvir um ruído estranho e eles fogem. Para os pássaros, a alma penada é o ruído produzido pelas estradas, produto de nossa civilização. Os ecologistas desconfiavam que as estradas assustavam os pássaros, mas só agora, com a construção de uma estrada fantasma, puderam comprovar a exatidão de suas suspeitas.
É impressionante a quantidade de estradas que o homem construiu desde que descobriu a roda. Imagine que você coloque um alfinete em qualquer lugar nos EUA. Em 83% dos casos, ele vai estar a menos de 1 km de uma rua ou estrada por onde trafegam carros.
As estradas têm sido muito estudadas pelos biólogos. Sabemos que muitas espécies são atropeladas, paralisadas no meio da pista pelo ruído ou pela luz dos faróis. Mas essas são as espécies menos prejudicadas. Há animais terrestres que não ousam cruzar uma estrada asfaltada. Em alguns casos, o isolamento das populações de cada lado da estrada é tão radical que, aos poucos, as duas populações vão se tornando diferentes. Assim como Darwin observou que populações de pássaros isoladas nas diferentes ilhas do Oceano Pacífico deram origem a diferentes espécies, uma dia, talvez, tenhamos o lagarto do norte da Transamazônica e o lagarto do sul da Transamazônica.
Pássaros sobrevoam estradas sem problema, mas, como usam pios e trinados para se comunicar, os cientistas desconfiavam que o barulho das estradas alterava seu comportamento. Mas como estudar o efeito do ruído se as estradas estão próximas de habitações humanas, de fontes de luz e outras perturbações ambientais? A solução foi construir uma estrada fantasma.
Em uma reserva ecológica em Idaho, nos EUA, os cientistas escolheram um trecho de 500 metros na crista de uma longa montanha e colocaram 15 grupos de alto-falante ligados a amplificadores. Para abastecer de eletricidade o sistema foram usados grupos de baterias. Esses sistemas de som foram interligados de modo a garantir que havia uma fonte de som a cada 30 metros. A estrada fantasma, só detectada por nosso sistema auditivo, estava pronta.
Em seguida, os cientistas gravaram o som de carros passando por várias estradas e fizeram uma colagem das gravações. O som gravado foi tocado nos alto-falantes espalhados pela estrada imaginária. Sua intensidade e distribuição foram ajustadas cuidadosamente. O som era raro e esporádico durante a noite, aumentava de manhã, permanecia ao longo do dia e diminuía ao entardecer, tal como ocorre nas estradas verdadeiras.
O outono é a época de migração dos pássaros que passam pela região. Os cientistas já sabiam que os pássaros ficam menos de oito dias na reserva onde estava localizada a estrada fantasma. Por esse motivo, decidiram que a estrada operaria (teria som) por quatro dias seguidos e ficaria inexistente (sem som) por outros quatro dias. Isso se repetiu durante um período de três meses, entre 19 de agosto e 9 de outubro de 2012.
Durante esse tempo, um grupo de observadores, acampados no local 24 horas por dia, identificou e contou os pássaros que pousavam ao longo da estrada e nos seus arredores. Essas pessoas identificavam os pássaros visualmente ou pelo som e marcavam o local e a hora em que haviam observado o animal. Dessa forma foi possível determinar quantos pássaros de cada espécie pousava em cada ponto ao longo da estrada (e a que distância da estrada), em cada hora do dia e da noite. Comparando os dados obtidos nos dias em que a estrada estava presente (com barulho) com os dados dos dias em que ela estava ausente (silenciosa) foi possível avaliar em detalhes o efeito do ruído da estrada sobre os pássaros.
Foram observadas 59 espécies de pássaros ao longo da estrada, mas somente foram analisados os dados das 22 espécies mais frequentes. Dessas, 13 espécies claramente evitavam pousar na região da estrada fantasma quando ela estava ligada. Além disso foi observado um gradiente muito claro: a medida que o ruído aumentava, o número de pássaros diminuía. Esse efeito foi detectado a até 300 metros de cada lado da estrada. O mais interessante é que os pássaros que produzem piados e gorjeios parecidos com os ruídos da estrada eram os que mais evitavam pousar perto da estrada. Pássaros que produziam sons com comprimentos de onda muito diferentes do ruído dos carros não evitavam tanto a estrada fantasma.
Esses resultados demonstram que o barulho típico de uma estrada, mesmo na ausência da estrada propriamente dita, afasta os pássaros do local. Quanto maior o nível do ruído, mais distantes ficam os pássaros, e quanto mais parecido com o ruído da estrada for o canto de um pássaro, mais ele vai evitar pousar perto da via.
Talvez você ache esse efeito pequeno. Mas lembre: o efeito nocivo aos pássaros se estende por 300 metros de cada lado da estrada. Se 83% dos locais nos EUA estão a menos de mil metros de uma estrada, é fácil deduzir que em uma grande fração do território dos EUA o ruído das estradas já altera o comportamento dos pássaros. Um prato cheio para os estudos de impacto ambiental.
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