segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Congresso banca 'hábito gourmet' dos parlamentares


Senadores e deputados custeam refeições em restaurantes caros de Brasília com dinheiro público. Uma única conta pode chegar a 7.000 reais

O restaurante Coco Bambu, no Lago Sul, em Brasília
O restaurante Coco Bambu, no Lago Sul, em Brasília, tem como especialidade os frutos do mar é um dos preferidos dos deputados (Divulgação)
O aquecido mercado da gastronomia em Brasília tem atraído para a capital federal grifes paulistanas de restaurantes, como o Rubayat e o Gero, do grupo Fasano. Entre a clientela habitual, estão parlamentares, que têm direito a custear as refeições com dinheiro público. Um levantamento feito pelo jornal Estado de São Paulo mostra que o Senado tem reembolsado contas que chegam a ultrapassar 7.000 reais.
O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) é um dos que recorreu a essa prática. Em homenagem a seu pai, o parlamentar levou amigos e parentes para jantar no Porcão, uma das mais caras churrascarias de Brasília, que oferece rodízio a 105 reais por pessoa — e apresentou a conta ao Senado. A nota apresentada pelo senador para ressarcimento indica que o jantar custou aos cofres públicos 7.567,60 reais.
No mesmo dia do jantar, o plenário do Senado foi palco de uma homenagem ao pai do parlamentar, o ex-senador e ex-governador da Paraíba Ronaldo Cunha Lima, falecido em julho de 2012. Parentes, amigos e colegas do senador vieram a Brasília para participar do evento.
O ex-governador Cunha Lima ficou conhecido por ter disparado três tiros contra o seu antecessor Tarcísio Burity em um restaurante da capital João Pessoa. Em 2007 renunciou ao cargo de deputado federal para não ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo. Morreu sem ser condenado.
Já o senador Fernando Collor (PTB-AL) é um apreciador de comida japonesa. Neste ano, o Senado reembolsou três contas no restaurante Kishimoto, cada uma delas custando pelo menos 1.000 reais. A assessoria do parlamentar já veio a público informar que os valores são usados para a alimentação dos funcionários do gabinete, gasto que é permitido pelas normas do Senado.
Na Câmara, a liderança do PSDB é campeã na apresentação desse tipo de nota. A preferência é pelo restaurante Coco Bambu, rede especializada em frutos do mar. Nos primeiros sete meses deste ano, foram 14 notas com valores entre 1.280 e 2.950 reais. O valor total desembolsado pela Câmara nesse caso foi de quase 27.000.
Procedimentos — Um ato publicado pelo Senado em 2011 regulamenta os procedimentos para o ressarcimento das despesas dos senadores, e estabelece a apresentação de "nota fiscal ou nota fiscal eletrônica ou cupom fiscal original, em primeira via, datada e com a completa discriminação da despesa, isenta de rasuras, acréscimos, emendas ou entrelinhas, emitida em seu nome". Na nota à qual o jornal teve acesso está escrito apenas "refeições".
A churrascaria em que Cunha Lima ofereceu o jantar está entre as mais caras da capital federal. No cardápio, estão disponíveis carnes nobres e exóticas, como carne de avestruz. O cliente ainda pode optar por um buffet com pratos quentes, saladas, massas, pizzas, risotos e comida japonesa. Considerando um consumo aproximado de 200 reais por pessoa, incluindo sucos ou refrigerantes e taxa de serviço, o valor apresentado na nota seria suficiente para oferecer um jantar para 38 convidados.
O gabinete do senador informou que o uso da cota parlamentar é feito da forma mais transparente possível. Por iniciativa própria, todas as notas emitidas pelo parlamentar estão disponíveis em seu site. Segundo a assessoria de imprensa de Cunha Lima, o jantar ocorreu depois da sessão especial do Senado e contou com a presença de "autoridades e parlamentares". Apesar de não informar o número de convidados, o gabinete informou que "o senador é extremamente criterioso com os gastos".
Questionada sobre a ausência do consumo discriminado na nota, o que é exigido pela Casa, a assessoria do parlamentar afirmou que "se o Senado referendou o documento dessa forma, não cabe ao senador responder por isso". A nota foi apresentada na época em que a secretaria responsável por esse controle no Senado era comandada por outro diretor, que foi afastado do cargo.
Mensalmente, cada senador tem direito a gastar 15.000 reais mais o equivalente a cinco passagens aéreas de ida e volta a seu Estado de origem, o que faz com que o valor seja diferente para cada parlamentar. Cássio Cunha Lima pode solicitar reembolso de 35.555,20 reais todos os meses.
O Senado informou que não há regra que delimite o gasto específico com restaurantes. Se quiser, o senador pode gastar até o valor total da cota com alimentação.
Divergência — Os dados apresentados pelo Portal da Transparência do Senado indicam que a Casa pagou 690,20 reais a mais pelo jantar, na comparação com a nota arquivada na churrascaria. Um documento do restaurante, ao qual o jornal também teve acesso, apresenta o valor de 6.877,40, reais, apesar de ter o mesmo número de série daquele apresentado ao Senado, onde consta o gasto de 7.567,60 reais.
No documento do restaurante, contudo, é possível observar que o valor menor foi escrito em cima do maior. Procurado, o Porcão informou que não adulterou a nota e que a diferença pode estar nos 10% cobrados pelo serviço.


(Com Estadão Conteúdo)

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