Sandra Starling
Uma correspondente internacional narrou que o que mais a impressionou numa das manifestações do Rio foi a reação de um menino de 15 anos, morador do morro de São Carlos. “Ele gritava muito forte” – conta –, “dizia saber que nunca teria condição de ir ao Maracanã”.
Semanas antes, assistindo ao documentário “Chico Buarque e o Futebol”, eu, que frequentei muito (outrora) o Mineirão, pude relembrar que, na geral, o povão ficava de radinho em punho porque, na verdade, nada via, a não ser através de pequenas frestas no alambrado. Apesar disso, a posição ali era privilegiada porque permitia xingar o juiz e o bandeirinha, estimular o time do coração e amedrontar o adversário. Foi quando entendi por que na geral todo mundo corria ora para um lado, ora para o outro, permanecendo sempre em movimento, ao contrário da posição de quem via o campo todo de cima, como eu.
Dias antes da final da Copa das Confederações, fiquei sabendo que o governo democrático-popular do Brasil ajoelhara-se aos desmandos da Fifa e admitira o fim da geral. Portanto, excluíra o povão de uma de suas maiores festas: o futebol.
Assisti, como todo brasileiro, extasiada, à final dessa Copa, quando nossa seleção voltou a jogar aquele futebol que nos deixa dilacerados de paixão. E, com os que lotavam o Maracanã, também gritei em frente à televisão: “O campeão voltou, o campeão voltou”. Até que percebi uma coisa nunca antes percebida por mim: dessa vez, os jogadores confraternizavam-se com a torcida após cada gol e saltavam uma pequena cerca para abraçar e serem abraçados pelos torcedores enlouquecidos.
Ué, onde fora parar o fosso que antes separava o campo da geral?
NÃO HÁ NEGROS
Aí, fiquei espiando o passeio das câmeras da TV pelo estádio e não vi um negro sequer. Já havia achado meio esquisita a transmissão de Itália e Uruguai em Salvador: lá também não notei a presença de nenhum negro. Mas como? Na Bahia, futebol sem negros?
Foi aí que minha ficha foi caindo devagarinho, devagarinho: tiraram o povão do campo! Então, agora cheio de classe média educada, de mauricinhos e patricinhas, ou “coxinhas”, fosso e geral para quê? Onde ter gente negra e gente pobre com ingresso mínimo de R$ 300? Como pôde um governo que possui até uma Secretaria (com status de ministério) da Igualdade Racial, e que adotou cotas nas universidades, excluir pobres e negros dos estádios de futebol?
Quando eu era menina, lia boquiaberta a revista “O Cruzeiro”, que sempre cobriu as corridas de cavalo no Jockey Club do Rio: na plateia, madames vestidas na melhor moda e até de chapéu. Ficava sonhando, eu, menina do interior, com o dia em que também pudesse frequentar o Jockey Club em dia de disputa do Grande Prêmio Brasil.
Graças a Deus nunca fiz essa besteira. Mas soube que no Maracanã, no domingo, havia madame de sapato alto e de bolsa Chanel. Agora entendo ainda mais a bronca da rapaziada. Transformaram o Maracanã em Jockey Clube. O garoto de São Carlos tem toda a razão.
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