“Passam dias, passam noites e um mês e meio...mas eu permaneço. É que Buenos Aires tem algo vivo e pessoal, algo cheio de um latido dramático, algo inconfundível e original no meio de suas mil raças que atrai o viajante e o fascina”, disse o poeta espanhol Federico García Lorca, antes de se despedir de Buenos Aires no dia 27 de outubro de 1934, poucos anos antes de enfrentar o pelotão de fuzilamento de Franco.
Quase 80 anos atrás, o escritor desembarcava no porto de Buenos Aires. Nos primeiros dias na cidade, foi recebido por um jovem poeta em ascensão, Pablo Neruda, de quem se tornou muito amigo.
Veio a convite da Sociedade de Amigos da Arte para ficar umas poucas semanas, mas, como tantos outros estrangeiros, se vê seduzido pela profundidade portenha, sua efervescência intelectual e multiculturalismo, e termina permanecendo na cidade por quase meio ano.
“Eu sei que existe uma nostalgia argentina, da qual não me verei livre e da qual não quero livrar-me, pois será boa e fecunda para o meu espírito”, dizia o poeta.
Na cidade, Lorca apresenta ao público portenho sua peça Bodas de Sangue. Frequenta as mesas do Café Tortoni, hoje reduto de turistas brasileiros em busca do antigo glamour da capital, e que em sua época áurea viu desfilar por seu salão personagens como Carlos Gardel e Jorge Luis Borges. Ele se hospeda no quarto 704 do hotel Castelar (Avenida de Mayo, 1152), no qual permanece os seis meses em que viveu na capital.
O quarto do poeta, com o mobiliário original, o roupão bordado com seu nome, uma ilustração que fez junto com Neruda, entre outros artigos pessoais, é parte do tour inaugurado pelo hotel essa semana. O passeio oferece uma pequena janela para a passagem de Lorca por Buenos Aires.
A Buenos Aires mágica pela qual se apaixonou Lorca se converte, ao longo do século XX, em um oásis literário, atraindo muitos escritores estrangeiros.
Muitos vêm e ficam a contragosto, como é o caso do escritor francês Saint Exupéry, que se muda para a capital em 1929 a fim de assumir seu posto de diretor da Aeropostal Argentina. Escreve aqui uma de suas obras, Correio Sul, mas compara Buenos Aires ao inóspito deserto do Saara.
No emaranhado de ruas portenhas também se perde o dramaturgo americano Eugene O´Neill, que chega à cidade como marinheiro em 1910 e termina como vagabundo pelos bares de La Boca. “Cheguei a Buenos Aires um gentleman e terminei como um zero à esquerda nas docas do porto”, costumava dizer.
A nós, reles mortais, resta sonhar com um encontro noturno com escritores nas cálidas noites de Buenos Aires, como no filme “Meia Noite em Paris” de Woody Allen.
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu ultimo dia na capital argentina. Estará aqui todos os sábados.
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