segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

TELLES



Luiz Berto
Sobre Telles, encontro estas referências na antologia Poetas de Palmares, organizada por Juarez Correya:
“Nasceu em Primavera de Santo Antônio, Pernambuco. Autodidata. Poeta, pintor e escritor. Fundou nesta cidade a revista A Esfinge. Criou, com um grupo de jovens, o Grupo Cultural dos Palmares, entidade responsável pela edição do jornal O Olho, em inatividade, e pela formação de grupos artísticos. pAutor de uma triologia inédita: Assim Falou a Esfinge – (Assim Falou a Esfinge, ensaio; Prolegômenos da Arte, ensaio; Poemas da Nova Era). Atualmente, elabora livros que compõem uma nova série cíclica. Realizou exposições de pintura no Recife, Goiana, São Paulo e Santos”.
Muito pouco, pouquíssimo, para explicar este Telles Júnior de muitas artes e muito mistério.
Bem pequeno, deve ter um pouco acima de metro e meio, frágil, meio curvado, calva pronunciada e mãos sensíveis. Irrequieto artista, que vive deslocado em seu tempo e em seu mundo.
Há muitos anos atrás, nos encantávamos com o mistério daquela placa na janela de sua casa na Rua do Galo: um enorme olho do qual saíam raios luminosos e o letreiro circular – Comunhão Esotérica do Pensamento.
Encontro-o em seu minúsculo atelier, cercado de talhas, quadros, livros e papéis. Na parede da rua, além de um mastro para hastear bandeiras, uma placa avisa: “Telles Júnior – Poeta, Pintor, Filósofo e Escultor”.
Os quadros, misteriosos, cheios de simbolismo, não chegam bem ao surrealismo, mas necessitam de detalhadas explicações do artista para sua perfeita compreensão. Alguns poemas estão emoldurados nas paredes, também herméticos e carregados de simbolismo, como este título: A Realidade dos Contrafortes da Antítese. Pregado a uma talha, está um envelope lacrado.
- O segredo do desenho desta talha está dentro do envelope. Quem comprar, fica sabendo – explica o artista.
Enquanto olho de soslaio o bigodinho pintado com tinta preta sobre o lábio fino, vou escutando suas queixas.
- Vivo isolado em Palmares, completamente ilhado. O povo daqui ainda não tem mentalidade suficiente para entender a arte.
Entre um gole e outro de um licor especial de sua fabricação, novas queixas.
- Abri um curso de entalhador e apareceram alguns interessados. Mal aprenderam a manejar as ferramentas e tirar lascas da madeira, já estavam vendendo talhas na feira, me fazendo concorrência. Fechei o curso.
Ao lado da máquina de escrever portátil, uma vitrola despeja acordes de música clássica. Luxo do sensível vate: só trabalha ouvindo os nobres sons.
- Palmares não prestigia o artista.
Naquele ambiente mágico, cercado de obras misteriosas, ouvindo o místico poeta, sorvendo seu licor e envolto nas sombras da boca-da-noite, também me senti inclinado à contemplação.
- Telles, qual é a sua filosofia de vida?
- É uma só, e dela não afasto um milímetro: comer, cagar e dormir.
Sorvi o último gole e deixei o artista entregue ao seu trabalho.
(Do livro “A Prisão de São Benedito”, 4ª edição, 1997, Editora Bagaço)

Nenhum comentário:

Postar um comentário