quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Medo e Paixão



CARLOS VIEIRA
O próximo Congresso Brasileiro de Psicanálise tem como tema - Ser contemporâneo: medo e paixão - a ser realizado na cidade de Campo Grande-MS em setembro de 2013. 
O que chama atenção nesse título nos dias de hoje? Por que medo e paixão, ou no meu entender, medo da paixão, medo de amar, de se envolver afetiva e emocionalmente com outra pessoa? O individualismo e egocentrismo do ser humano hoje é uma grande defesa psíquica para evitar e elaborar os conflitos inerentes de uma vida amorosa. Uma vida amorosa que inevitavelmente começa pela paixão é natural que traga medo, pavor de se machucar, desapontar e perder a pessoa amada. 
A paixão, que tem como modelo inicial o apego pela mãe, enquanto primeira relação de amor, e fala da necessidade de se criar alguém “salvador” da condição precária, física e emocional do ser humano. A vida começa por uma experiência inicial de abandono e uma necessidade de ser acolhido. Ninguém começa uma relação sem paixão, sem esse “fogo intenso, desejo convulsivo em direção à alma gêmea”. Alma gêmea, à procura do nosso gêmeo, experiência fantástica, imaginária, com a finalidade de nos oferecer um sentimento de completude. A paixão é uma vivencia turbulenta, fusional, proporcionando experimentar a “ilusão de unicidade” necessária momentaneamente.
“A tua boca de chama, o colo túrgido, 
Teu ardente perfume 
Arrastam-se a um abismo de alegria: 
Ah ser em ti, perder-me todo em ti, 
E em declínio soldar nossos desejos.”
Versos de um poema de Cláudio Allori, traduzido pelo nosso poeta Manuel Bandeira em seu livro – Estrela da Vida Inteira, Poesia Completa. 
Veja caro leitor, “ser em ti, perder-me todo em ti,/ E com delírio soldar os nossos desejos”, canta o poeta, de uma maneira metafórica e simbólica, para descrever a experiência da paixão humana. É óbvio que esse estado (de paixão) é algo necessário, contundente, arrebatador, mas passageiro, como um prelúdio ao Amor, o amor maduro, consciente de que mesmo juntas, duas pessoas são pessoas separadas, únicas, diferenciadas e não fundidas, confundidas, que perdem sua individualidade! 
Acontece que vivemos num mundo de consumo, de predominância dos impulsos orais, canibalísticos para ter o Outro, a posse dele, não como objeto de amor e sim de uso para o prazer, controle e a serviço da necessidade egocêntrica, narcísica, individualista e por que não dizer, incorporadora do outro como posse. 
O que o poeta escreve de uma maneira simbólica, as relações amorosas da pós-modernidade acredita de um modo concreto, necessário e permanente. 
Será que estamos vivendo a predominância da relação de posse para a satisfação puramente física, sexual, material em detrimento da relação amorosa de parceria, complementação e tolerância às diferenças? Se faz sentido pensar que o modelo atual é um modelo de uso, simplesmente do “ficar” e não “do se envolver amorosamente”, tem sentido, pertinência a preocupação dos psicanalistas em estudarem o medo e as paixões! 
Amar é se envolver com prazer e com dor. É desenvolver capacidade psíquica de estar sempre elaborando os afetos envolvidos numa relação amorosa. E os afetos contidos em qualquer relação dizem respeito à – amor, ódio, rivalidade, competição, inveja, ciúme, desejo de posse, cuidado, respeito, consideração e responsabilidade. 
É óbvio, caro leitor, e você vai concordar comigo que: na escolha de uma pessoa, necessariamente se passa pelo estado inicial da paixão, mas requer trabalho psíquico de cuidado e dedicação mútua, mesmo porque as pessoas têm diferenças, e não só igualdades. Quando se está disponível para amar é necessário fazer renúncia ao egoísmo mortífero, para desse modo desenvolver uma relação com individualidade própria. Sempre juntos e separados, essa é a sabedoria de amar. 
A intolerância atual à frustração, e principalmente ao desapontamento amoroso, cria o pavor, o medo e a dúvida de se ligar a alguém. Principalmente quando se trata de pessoas que viveram desapegos e abandonos precoces em sua infância, assim como pessoas que nasceram com um sentimento de gula e voracidade muito intensos. Diz a sabedoria popular – “essas pessoas são gatos escaldados que têm medo de água fria”. É verdade mesmo, a clínica psicanalítica vive, dia a dia, trabalhando essa experiência emocional de – medo da paixão – pavor das relações de intimidade afetiva. 
Encerro minha escrita hoje, transcrevendo a letra de uma música de Paul Simon – Eu sou uma Rocha (I am a Rock):
“Ergui paredes/Uma fortaleza, alta e forte/ Que ninguém pode penetrar./ Não preciso de amizades./Amizades causam dor./É o riso e é amar o que eu desdenho/Sou uma rocha,/ Sou uma ilha/ Tenho meus livros/ E minha poesia para proteger-me/ Estou blindado em minha armadura/ Oculto em meu quarto/ Seguro dentro do meu útero/ Eu não toco em ninguém e ninguém me toca/ Sou uma rocha/ Sou uma ilha./ E uma rocha não sente dor/ e uma ilha nunca chora.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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