Com sua costumeira despreocupação com os fatos, os analistas mais engajados no combate ao “lulopetismo” têm se dedicado, nos últimos dias, a traçar paralelos entre o Brasil e outros países no tocante à corrupção e às estratégias para combatê-la.
Semana passada, a moda foi falar da China, onde é notório que o problema assume imensa proporção.
Discutir o “mensalão” como se fosse a manifestação brasileira do fenômeno que preocupa o resto do mundo é, no entanto, um equívoco. Salvo um ou outro caso, quando falam em corrupção, pensam em outras coisas.
Vê-se isso com clareza exatamente na China, agora que acontece a troca de guarda na liderança do Partido Comunista Chinês (que implica a sucessão na chefia do governo).
Lá, a corrupção é um dos principais desafios que confrontam o país e seu desenvolvimento.
Aqui, mesmo que seja grave e justifique atenção permanente da sociedade e do Estado, é totalmente diferente.
O que preocupa os chineses é a íntima relação que se estabeleceu entre partido, governo e economia. A interpenetração de interesses entre quadros partidários, autoridades governamentais e empresários tornou-se crescentemente disfuncional, gerando tensões e ameaçando o dinamismo da economia.
Formou-se, na China, uma elite que os críticos chamam “capitalistas vermelhos”, integrada por familiares de dirigentes partidários, que presidem as gigantescas empresas do governo e dirigem empresas privadas altamente lucrativas, criadas aproveitando conexões privilegiadas.
A existência dessa “aristocracia vermelha” desmoraliza o partido, gera descontentamento (91% dos entrevistados em uma pesquisa do Diário do Povo acreditam que os “novos ricos” no país se beneficiaram de ligações com a liderança) e desencoraja o investimento, interno e internacional.
Embora alvo do lacerdismo crônico de nossa direita e apesar de ter sido pretexto para vários tipos de golpismo no Brasil, o problema da corrupção nunca chegou a ter esse tamanho entre nós, nem mesmo enquanto vivíamos o autoritarismo militar.
Não que seja secundário. Qualquer forma de desvio de recursos públicos em benefício privado é moralmente injustificável.
Mas dizer que a corrupção na China, o “mensalão”, a máfia italiana, a boss politics americana e os regalos recebidos pelo rei da Espanha, são “tudo a mesma coisa”, não faz sentido.
São problemas diferentes, que exigem soluções específicas.
A única coisa inequívoca no “mensalão” foi a arrecadação e a distribuição irregular de recursos destinados a uso eleitoral, de políticos do PT ou de partidos coligados. Fora isso, tudo é especulação, contas malfeitas, algum desconhecimento de causa e muita fantasia.
E o enorme fingimento de “esquecer” que é assim que nosso sistema político sempre funcionou - e continua a funcionar.
A fúria punitiva do julgamento do “mensalão” não soluciona a questão do financiamento da política no Brasil. Não é às custas de sentenças absurdamente longas que será resolvida - assim como a corrupção na China não acabou pelo fato de lá existir pena de morte.
Ou tratamos o problema real que o “mensalão” suscita ou vamos permanecer com ele. Mesmo que alguns juízes e parte da oposição estejam sorridentes com o castigo que infligiram a adversários.
Mais que um equívoco, misturar coisas diferentes serve apenas para naturalizar e atenuar o caráter político do julgamento. E ajuda a difundir a falsa ideia de que o episódio muda alguma coisa relevante no Brasil.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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