Buenos Aires pode ser doce ou brutal, serena ou frenética, mas, de quando em vez, pode ser infernal: sensação térmica alcançando 37 graus, cinco dias de lixo acumulado pelas ruas e, na quarta-feira, um apagão que deixou mais de 3,5 milhões de pessoas sem luz.
Para fechar a semana, uma chuva ontem deixou boa parte da cidade debaixo d’água.
Mas, não só de pequenas tragédias urbanas viveram os portenhos nessa semana. Há mais de um mês argentinos esperavam uma data que entrou na historia, pelo menos nas redes sociais.
O mega “panelaço” contra políticas do governo da Presidenta Cristina Kirchner, organizado nos fóruns de discussão na internet, aconteceu na noite de quinta-feira.
Graças à imparcialidade dos meios de comunicação do país, é difícil estimar o numero exato de participantes, mas a polícia municipal afirma que cerca de 500 mil pessoas estiveram nas imediações do obelisco e Plaza de Mayo.
O protesto chegou a outras cidades do país e teve réplicas tímidas pelo mundo, em lugares como Austrália, França, Roma, Espanha e Botafogo! Cerca de 50 argentinos levaram suas reclamações ao consulado argentino, que fica no bairro de Botafogo, no RJ.
Entre elas, em comum acordo com as da Argentina, estão as restrições à compra de dólar e à liberdade de expressão, uma possível reforma constitucional que permitiria um terceiro mandato da Presidenta, além de outras queixas econômicas e sociais.
Deixando um pouco de lado as repercussões imediatas, a grande surpresa da noite ficou por conta do nascimento de uma manifestação de grandes proporções de uma maneira, assim por dizer, politicamente acéfala.
Até o arqui-inimigo da Presidenta, o Prefeito de Buenos Aires Mauricio Macri, que sempre apoiou publicamente o movimento que ficou conhecido como 8N (8 de novembro), resolveu trocar as panelas pelo rock’n roll e foi ver a banda americana Kiss no estádio do River Plate.
Um fenômeno social herdado da crise de 2001, os cacerolazos (ou panelaços) surgiram com forte respaldo político. Mas, dessa vez, foram gerados do ventre das redes sociais, de maneira espontânea, sem nenhum banner partidário, liderança clara ou proposta alternativa explicitada.
A ausência de um projeto alternativo ficou tão evidente que a própria Presidenta se defendeu das criticas usando este argumento “O verdadeiro problema é a falta de uma direção política que represente um modelo alternativo”, disse em discurso depois do panelaço.
Mas, o que ainda não ficou evidente nos protestos de quinta-feira é se a batata da Presidenta está ou não assando na panela da democracia argentina. E se este caldo vai ou não entornar...
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu ultimo dia na capital argentina. Estará aqui todos os sábados.
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