Leonardo Boff
Aconteceu em São Leopoldo, junto ao Instituto Humanitas da Unisinos dos Jesuítas, a celebração dos 40 anos do surgimento da Teologia da Libertação. Lá estiveram os principais representantes da América Latina, especialmente seu primeiro formulador, o peruano Gustavo Gutiérrez. Curiosamente, em 1971, sem que um soubesse do outro, tanto Gutiérrez (Peru), quanto Hugo Assman (Bolívia), Juan Luiz Segundo (Uruguai) e eu (Brasil) lançávamos nossos escritos, fundadores dessa teologia.
Eu, para burlar os órgãos de repressão dos militares, publicava todo mês, em 1971, um artigo numa revista para religiosas, “Sponsa Christi” (Esposa de Cristo), com o título “Jesus Cristo Libertador”. Em março de 1972, arrisquei sua publicação em forma de livro. As palavras “libertação” e “libertador” não podiam ser usadas publicamente. Custou muito ao advogado da Vozes convencer os agentes de que se tratava de um livro de teologia que não ameaçava a segurança nacional.
Qual a singularidade do livro (hoje na 21ª edição)? Ele apresentava, fundada numa exegese dos evangelhos, a figura de Jesus como libertador das opressões humanas. Com duas delas Ele se confrontou diretamente: a religiosa, sob a forma do farisaísmo da estrita observância das leis religiosas, e a política, a ocupação romana que requeria o reconhecimento do imperador como deus.
À opressão religiosa Jesus contrapôs uma “lei” maior, a do amor incondicional a Deus e ao próximo. À política, ao invés de submeter-se ao império dos césares, ele anunciou o Reino de Deus. Esse Reino comportava uma revolução absoluta do cosmos, da sociedade, de cada pessoa e uma redefinição do sentido da vida à luz de Deus.
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LIBERTAÇÃO
LIBERTAÇÃO
Jesus agia com a autoridade e a convicção de alguém enviado do Pai para libertar a criação ferida pelas injustiças. Mostrava um poder que aplacava tempestades, curava doentes, ressuscitava mortos e enchia de esperança todo o povo. Algo realmente revolucionário iria acontecer: a irrupção do Reino, que é de Deus, mas também dos humanos por seu engajamento.
Nas duas frentes criou um conflito que o levou à cruz, executado em consequência de sua mensagem e de sua prática. Tudo indicava que sua utopia fora frustrada. Mas eis que aconteceu um evento inaudito. Ele havia ressuscitado. A ressurreição não deve ser identificada com a reanimação de seu cadáver, como a de Lázaro. Mas como a irrupção do ser novo, não mais sujeito ao espaço-tempo e à entropia natural da vida. Por isso, atravessava paredes, aparecia e desaparecia. Sua utopia do Reino, como transfiguração de todas as coisas, não podendo se realizar globalmente, se concretizou em sua pessoa mediante a ressurreição. É o Reino de Deus concretizado nele.
A ressurreição é o dado maior do cristianismo, sem o qual ele não se sustenta. Sem esse evento bem-aventurado, Jesus seria como tantos profetas sacrificados pelos sistemas de opressão. A ressurreição significa a grande libertação e também uma insurreição contra este mundo. Quem ressuscita não é um César, mas um crucificado. A ressurreição dá razão aos crucificados da história. Ela nos assegura que o algoz não triunfa sobre a vítima.
Anunciar um Jesus Cristo libertador no contexto de opressão que existia e que ainda persiste no Brasil e na América Latina era e é perigoso. Não só para a sociedade dominante, mas também para a Igreja que discrimina mulheres e leigos. Por isso seu sonho sempre será retomado por aqueles que se recusam a aceitar o mundo assim como existe. Talvez seja este o sentido de um livro escrito há 40 anos.
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