domingo, 14 de outubro de 2012

Mensalão, política e eleição, por Gaudêncio Torquato



A dúvida continua na ordem do dia: o mensalão influenciou as campanhas do primeiro turno e, agora, com a condenação do núcleo político, do qual faz parte o ex-ministro José Dirceu, terá efeitos sobre os candidatos petistas que abrem trincheiras na guerra do segundo turno?
Não tem sido fácil convencer integrantes das alas sobre as hipóteses que cercam a questão, seja a que enxerga danos seja a que os nega.
Cada partido defende a abordagem mais adequada aos seus interesses. A ideia de que valores éticos e morais – que se pinçam do julgamento da ação penal 470 - balizarão, no calor eleitoral, o voto das massas, parece levar em conta a teoria da agulha hipodérmica, bastante conhecida na área da comunicação, pela qual a injeção de medicamentos sob a pele, implica melhoria imediata da saúde da pessoa inoculada.
Já o argumento que despreza consequências nefastas do julgamento sobre o segundo turno, estribado na hipótese de que o eleitor associa o voto às suas necessidades imediatas, também deixa margem a questionamentos, podendo ser meia verdade.
Ora, para eleitores de segmentos médios, o mensalão corrobora posições previamente assumidas por eles. Tal fato, por si só, constitui grande conquista, na medida em que a semente ética se espalhará a partir dos canteiros localizados no meio da sociedade.
Portanto, nem lá nem cá. A conexão entre mensalão e voto sugere uma abordagem menos pontual e mais global.
Ou, para usar o enfoque fenomênico que o sociólogo Joseph Klapper contrapôs à teoria da agulha hipodérmica, um conjunto de fatores contribui para influenciar o processo de persuasão das massas, como demandas comunitárias, cultura política dos segmentos, condições eleitorais, qualidades dos atores políticos e circunstâncias espaciais e temporais.
Errado é imaginar que eleitores se influenciam por estímulos isolados. Não se trata de entes passivos, submissos exclusivamente ao império dos contendores.
Massas passivas e obedientes ao toque de recolher dos pastores eleitorais, lembrando a imagem de Norberto Bobbio sobre as ovelhas que acorrem aos currais para comer o pasto (cidadãos passivos), dão vez a comunidades ativas, conscientes e desejosas de imprimir seu tom à orquestração eleitoral.
Sob essa leitura, abre-se um vasto leque de alternativas, cada qual com arcabouço próprio.
Primeiro, é oportuno distinguir os níveis de percepção dos fenômenos políticos pelos estratos sociais.
As classes médias, que detêm maior conhecimento sobre política, abrigam os formadores de opinião que agem na vanguarda da defesa dos bastiões morais. Eventos, como o mensalão, que embutem uma pauta de valores cívicos abrem a tuba de ressonância tocada pela orquestra do meio da sociedade.
O mensalão deflagra sobre esse ajuntamento dois fenômenos. Um, interno, se volta para a corroboração do ideário e confirmação dos posicionamentos político- eleitorais assumidos por estes segmentos ao longo da trajetória. Ou seja, reforça a preferência no candidato escolhido.
O outro, externo, se projeta na formação dos círculos concêntricos, cuja função é irradiar pensamentos que se espraiam até as margens da sociedade. Essas ondas se movimentam em processo contínuo e em fluxos mais fortes ou mais fracos, na esteira das características de cada campanha.
Donde se puxa o cordão de mais uma hipótese: eventos de alta visibilidade e denso acervo litigioso exercem influência na política.
Atente-se, porém, para a observação de que isso não implica, necessariamente, impacto imediato na frente eleitoral. Uma coisa é semear a cultura ambiental com valores éticos e, dessa forma, elevar as aspirações da sociedade, outra é imaginar que, da noite para o dia, viceje a Árvore Moral.
Os frutos valorativos do mensalão, pois, demorarão a brotar. O edifício da Cidadania é uma obra que se constrói, tijolo por tijolo, ao longo de gerações.
Vejamos, agora, mais uma abordagem.
Contingentes que habitam os espaços das margens são muito sensíveis aos remédios (e soluções) que trazem melhoria às suas condições de vida. Bens e produtos materiais, de pronto uso, são mais bem-vindos que valores espirituais, por mais nobres que estes sejam.
Não é o caso de desesperança. A planilha valorativa que se extrai do julgamento do mensalão baterá às portas da representação política, cutucando mentes e plasmando um conjunto de ações reformistas que acabarão moldando os vãos dos costumes e os desvãos da corrupção.
Quanto aos habitantes da base da pirâmide, vale lembrar que sua preferência pela micropolítica não significa desprezo por princípios doutrinários.
Mais uma vez, não são entes inermes. Embalam-se, também, no cobertor cívico, que sai da Corte Suprema e corre pela sociedade. Percebem que a lei é para todos. Os grandes também vão para a cadeia.
Quanto aos escândalos que batem em seus ouvidos, tendem a decodificá-los como práticas de todos os políticos. (Reforçando a percepção, o próximo capitulo do mensalão deverá abrigar o caso de políticos mineiros).
Igual por igual, sem distinção de perfis, o eleitor das margens acaba escolhendo o que lhe é mais próximo. O candidato que mais se encaixa na cachola.
Postas as coisas em seus devidos compartimentos, chega-se a uma resposta satisfatória para a indagação que abre este texto: o mensalão influencia a política ao compor a moldura de valores que inspiram a mudança de padrões políticos; reforça o ideário de setores médios, animando-os a entoar hinos cívicos; mas não induz as massas eleitorais a substituírem figurantes, situação que ocorre só esporadicamente ou dentro da massa de indecisos.
Ganhar o voto do eleitor, induzi-lo a mudar de posição, enfeitar os bolos eleitorais com confeitos coloridos, criar versões para as histórias e mistificar fazem parte da engenharia das campanhas.
Muito cuidado, porém: quando a embalagem é exageradamente maior que o produto, o consumidor percebe.

Gaudêncio Torquatojornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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