Reportagem de André Petry, de Nova York, publicada em edição impressa de VEJA
LUGAR DOS CORRUPTOS
As prisões americanas estão cada vez piores, mas ainda há muitas que tratam os presos com dignidade – políticos corruptos e poderosos em geral costumam ir para as melhores. Há lógica nisso
Condenado a catorze anos de prisão por transformar sua gestão num paiol de corrupção, o ex-governador de Illinois Rod Blagojevich virou o prisioneiro número 40.892.424 na prisão de sua preferência. Ele pediu para cumprir a pena no Complexo Penitenciário de Englewood, que fica perto de Denver, no Estado do Colorado.
No conjunto de Englewood, há um centro administrativo e duas prisões, uma de baixa segurança e outra de segurança mínima, só para homens. Uma vez que não tem presos violentos nem com alto risco de fuga, Englewood oferece mimos como mesas de sinuca, pingue-pongue e pebolim. Como se vê na fotografia acima, as celas têm espaço razoável, janelas de bom tamanho e iluminação direta. Não são um paraíso, mas também não são o inferno.
Onde o ex-presidente da ex-gigante de energia Enron cumpre seus 24 anos de cadeia
Nos Estados Unidos, o preso tem direito a pedir para cumprir a pena em determinada penitenciária. O juiz pode aceitar o pedido, mas a palavra final é do Federal Bureau of Prisons, órgão que administra o sistema penitenciário federal. Em sua decisão, o FBP leva em conta se o grau de periculosidade do condenado combina com o nível de segurança da prisão.
Blagojevich escolheu Englewood porque é uma prisão razoável. É lá que Jeffrey Skilling, o ex-presidente da Enron, ex-gigante do setor de energia, está cumprindo sua pena de 24 anos. Skilling foi condenado por sua participação no enorme escândalo contábil que acabou levando a Enron à falência, em 2001.
Não existe prisão feliz, mas existem prisões que punem com a perda da liberdade, como deve ser, e não com a perda da dignidade humana.
Nos Estados Unidos, a crise que estourou em 2008 chegou às prisões, que estão cada vez mais superlotadas e com menos dinheiro. Na Califórnia, o custo das penitenciárias pressiona os gastos com as escolas e o sistema universitário.
Para aliviar o peso orçamentário das prisões estaduais, o governo criou um programa para que mais criminosos cumpram pena nas cadeias municipais. Há casos de cidades que estão cobrando dos presos pelos gastos com comida, roupa e saúde. Os pobres não pagam nada. Mas, apesar das dificuldades, o sistema americano ainda é um luxo à luz do brasileiro.
Há uma lógica pragmática em manter prisões decentes. Com elas, torna-se socialmente mais aceitável colocar réus não violentos atrás das grades. Os criminosos do colarinho-branco, em geral, são pacíficos. Não andam com metralhadoras russas, não integram gangues sanguinárias, não executam inocentes.
Fica mais fácil enjaular corruptos
Até os juízes ficam constrangidos ao sentenciar um réu pacífico a viver no meio de uma massa violenta e perigosa. Eis a lógica pragmática: prisões decentes não atendem só ao requisito básico de respeito à dignidade humana, mas também tornam mais fácil enjaular corruptos, famosos e poderosos em geral, pois lhes subtraem a legitimidade da alegação da punição excessiva.
Nos Estados Unidos, 1.000 americanos em média são condenados por corrupção a cada ano nas cortes federais. No Brasil, contam-se nos dedos. Um levantamento feito por seis estudiosos da Universidade de Illinois mostra que Chicago é a cidade com mais corruptos – ou que mais prende corruptos. De 1976 até 2010, foram mais de 1.500 condenados.
A segunda cidade é Los Angeles, com quase 1.300 presos, seguida de Nova York, com 1.200. A capital, Washington, é apenas a quarta na lista, com 1.000 corruptos presos em 34 anos. São todos criminosos não violentos.
Os Estados Unidos têm o problema oposto ao do Brasil: prendem demais. Os americanos correspondem a cerca de 5% da população mundial, mas respondem por quase 25% dos presos do planeta. A cultura da prisão é tão disseminada que existem até guias das melhores prisões federais, com edição bianual.
A última versão de um desses guias, editada por um escritório de advocacia que defende criminosos do colarinho-branco, descreve as 114 prisões federais. É uma leitura útil até para amigos e familiares dos presos, pois traz dicas sobre hotéis e pousadas nas imediações de cada penitenciária.
Englewood, onde cumprem pena o ex-governador e o ex-presidente da Enron, está entre as melhores do país de acordo com a cotação do guia.
“Eles acham que nunca serão pegos”. Mas, nos EUA, são
Mesmo sem a chaga da impunidade, os EUA não baixam a guarda na vigilância contra ladrões do dinheiro público. “Na corrupção, políticos e funcionários públicos acham que nunca serão pegos”, diz o professor Dick Simpson, um dos autores do estudo da Universidade de Illinois.
O número de corruptos condenados oscila ano após ano, mas sempre tem efeito pedagógico. Em Nova York, estado com alto índice de condenações, o número de corruptos presos variou de setenta a oitenta por ano entre 2001 e 2005. De lá para cá, a média caiu para menos de cinquenta condenados por ano.
Se a polícia e a Justiça mantêm o mesmo rigor, é sinal de que a corrupção pode ter diminuído. Em parte, porque as prisões também são próprias para corruptos.
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