Marcio Alemão
Refogado
01.09.2012 11:41
Releio O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez. Na tevê estamos em tempos de propaganda eleitoral gratuita. Li, há meses, que Gabo está sofrendo de demência senil. Peço desculpas, mas em muitas, e não poucas nem em ditas certas horas, me vejo dominado pela nostalgia. Vou longe. Volto aos tempos em que um dia de chuva no meio de um feriado ou uma pergunta cabeluda na prova de matemática não tinha outro culpado que não Ele, imediatamente era por mim acusado de injusto. Voltei, pois, a essa prática ao ver o mencionado horário eleitoral enquanto lia O Amor… Pergunto: “Por que Ele? O Senhor já deu uma olhadinha no que está passando na tevê?”
Certamente tivesse Ele tempo para responder aos milhões de perguntas inúteis que Lhe são feitas a cada minuto me diria: “Presta atenção em todos os candidatos, moleque! Achas que só o Gabo desse mal padece?!” E na sequência imagino aquela risada tonitruante fazendo tremer a Terra.
Ainda sobre supostas injustiças, abro o jornal e me informam que mais uma vez aconteceu o tal concurso que elege o melhor pastel de feira da cidade. Em São Paulo podemos dizer que virou tradição. Campanha não fazem, os candidatos. Poderiam fazer? Sendo eu um assíduo frequentador da feira que abriga a barraca vencedora, a do Pastel Kyoto, diria que algumas promessas seriam interessantes: “Prometemos punir fisicamente os comedores que ainda insistem em jogar o papel que envolve o pastel no chão. Prometemos vaiar quem pede aquele pastel especial que tem o tamanho de um colchão de solteiro e que vem recheado com tudo que tem na feira, incluindo borrachas de panela de pressão. Prometemos trocar o óleo da fritura mais constantemente etc.” Detalhes singelos, promessas que se não fossem cumpridas não nos trariam grandes prejuízos.
Mas essa eleição carrega um aspecto que me parece injusto. Na verdade não posso dizer que seja injusto, mas não é legal. Uma barraca ao lado da outra. A do meio foi a vencedora. E como ficam as demais? Tenho visto o que acontece com as demais. Algumas já conseguiram o caneco em outras feitas. Logo, o prêmio emoldurado anuncia que foram laureados em determinado ano e isso ameniza o prejuízo. Mas aquela barraca que ainda não levou nada tende a se afundar cada vez mais.
Raras vezes vou na campeã. Na semana passada fui. Não era a do Kyoto. Haviam eles vencido outro concurso organizado por outro veículo. Em tempo, se bobear passam a vida participando de concursos.
Imaginaram o potencial de uma feira livre? No Pacaembu é até possível eleger o melhor vendedor de talão de Zona Azul. Quer apostar que vai ter o sujeito fortinho com camiseta Hollister três números menor que só vai comprar do vencedor? E sobre essa nova turma de estranho gosto, uma passagem no O Amor… a define de maneira definitiva. Quem o faz é um tio casca grossa de Florentino Ariza, Leão XII Loayza, quando acusado de ser rico: “Rico não: sou um pobre com dinheiro, o que não é o mesmo.”
E volto à feira. Com efeito, o pastel que tentei comer não dava para encarar. Posso quase jurar pelo senhor citado nas linhas acima que rolou uma gordura vegetal na frigideira. Só precisei de uma bocada para ficar com aquele estranho sabor de parque de diversão, de fast-food de má qualidade, pelo resto do dia.
Só eu e minha mulher notamos. Os demais deliciavam-se com o prêmio, bem melhor que o pastel. E aquela barraca que ainda não levou nada? Raros fregueses. Fui até lá e pedi o de queijo. O óleo não estava no ponto. Como administrar isso? Sem movimento o mais sensato parece ser não gastar gás à toa. Mas aí o freguês vai esperar quanto tempo até que toda aquela bacia de óleo chegue à temperatura ideal? Certamente por conta desse receio, o pasteleiro deixa escorregar pela borda da frigideira o pastel que vai encontrar um ambiente não adequado. E aquele pastel estava em repouso havia mais tempo. Não giram com a mesma velocidade dos da barraca campeã. Ou seja, o resultado não será bom. Como sair dessa? Unindo-se a um fundo de investimento. Essa é a grande tendência mundial da gastronomia e dela falo semana que vem.
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