domingo, 23 de setembro de 2012

Dick Tracy, por Luis Fernando Veríssimo



Se todas as previsões feitas no passado sobre como seria a vida hoje dessem certo, cada um de nós teria um helicóptero — ou coisa parecida — na garagem, e para viagens mais longas só usaríamos aviões supersônicos.
Os Volkswagens voadores não vieram, para não falar nas megalópoles superorganizadas com calçadas rolantes num mundo em paz permanente e sem pragas, mas o Concorde parecia ser um sinal de que pelo menos parte da visão se cumpriria, mesmo com atraso.
O Concorde era um protótipo que, com o tempo, se aperfeiçoaria e se democratizaria. Seus defeitos eram desculpáveis, tratando-se de um protótipo. Fora as críticas irrelevantes (sim, querida, o caviar é Beluga, mas com a granulação errada), o pior que se dizia de uma viagem no estreito Concorde, com suas poltronas apertadas, era parecido com o que aquele inglês da anedota disse do ato sexual: o prazer é fugaz e a posição é ridícula.
Tudo isso seria corrigido com o tempo, inclusive o seu maior defeito, o preço das passagens, só acessível a quem pode distinguir o grão do caviar.
Mas o Concorde acabou antes de se tornar viável. E o que se chora não é o fim de uma máquina muito cara e talvez desnecessária, mas de um sonho: o que seria a vida se todas as possibilidades abertas pela ciência e a tecnologia depois da Primeira Guerra Mundial tivessem dado em outro mundo.
No fim o que a gente mais sente falta, do passado, é o futuro que ele previa. O Concorde podia ser só uma extravagância feita para você poder almoçar em Paris e almoçar de novo em Nova York. Acabou como símbolo do fim prematuro de um século que só ficou na imaginação.
Em compensação, o futuro previsto no passado não incluía uma palavra, uma pista, uma sugestão que fosse da grande revolução que viria e ninguém sabia, a da informática. Quer dizer, o futuro imaginado no passado já era um futuro obsoleto. O único, tênue presságio do que viria era o rádio de pulso do Dick Tracy, lembra? O próprio Tracy não sonhava que um dia ele teria no seu pulso, para combater o crime, um dispositivo que receberia e emitiria imagens e mensagens, calcularia, fotografaria e diria como estava o tempo em qualquer lugar do mundo.


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