Alambiques de Salinas (MG) sofrem com tributação, falta de apoio e informalidade
BRASÍLIA — Mesmo após a cachaça do Brasil ter conseguido o reconhecimento dos Estados Unidos como um produto genuinamente nacional, o que vai abrir as portas do mercado internacional para a nossa pinga, beber as artesanais — consideradas as melhores — continuará sendo um privilégio só nosso por um bom tempo.
Mas há obstáculos. Avessos à exportação, atualmente, os produtores da região de Salinas (MG), cidade famosa pela qualidade de suas cachaças, feitas em pequena escala, ainda estão lutando para ganhar mercado dentro do país. Eles reclamam que é muito difícil aumentar a produção com tributos altos, falta de apoio na comercialização e grande informalidade no setor.
Em Salinas, a maioria dos produtores não se empolga com a ideia de desbravar outros países. A realidade da maioria dos alambiques da região é uma capacidade instalada acima da demanda, pela dificuldade na comercialização.
— O mercado de exportação hoje está muito complicado. Já exportamos um pouco para Alemanha e para Itália. Se alguém fechou contrato quando o dólar estava mais baixo, quebrou. Faz três anos que não exportamos — analisa o presidente da Coopercachaça, Gilmar Freitas.
Tudo em Salinas gira em torno da branquinha, apesar de a cachaça não ser o produto industrializado que traz mais renda para o município, ficando atrás da cerâmica. São 1,5 mil empregos diretos e outros mil indiretos envolvidos na produção da bebida na cidade de 39 mil habitantes.
Alta tributação
Os produtores de Salinas não se cansam de reclamar da carga tributária que incide na branquinha. A esperança é que selo de indicação geográfica para a cachaça de Salinas pelo INPI, concedido nesta semana, facilite a desoneração. Os alambiqueiros de Salinas reclamam que apenas o IPI recolhido por garrafa das artesanais supera todo o valor de prateleira de um concorrente industrializado. Por litro, o IPI começa em R$ 1,31 e o ICMS em R$ 1,60, aponta a Apacs. Os associados calculam que entre 30% a 40% do valor de uma unidade vai para os tributos. A proposta do setor, que já foi levada ao governo federal, é tributar a cachaça artesanal dentro do Simples Nacional, como já ocorreu até 2002.
Nosso produto já começa com o preço da cachaça industrial — diz Nivaldo Gonçalves, presidente da APACS. — Temos custos maiores e pagamos impostos sete vezes maiores que os industriais – disse.
A entidade que representa o setor em todo o país, o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), rebate o cálculo feito pelos alambiques de Salinas. O diretor-executivo da entidade, Carlos Lima, afirma que o órgão luta pela redução da carga tributária para o setor e pelo retorno ao Simples, o que favorece os menores produtores e ajudará a aumentar a formalização. Mas discorda da APACS sobre o peso do IPI por garrafa:
— O sistema adotado pela Receita considera o tamanho do vasilhame da bebida, se o mesmo é retornável ou não e, principalmente, o preço de venda do produto que é informado pelo produtor, não considerando o processo produtivo. Dessa forma, o sistema é igual para todos, mas tem gerado insatisfação por parte de alguns pequenos produtores. Acreditamos que a questão da alta tributação a qual o setor está sujeito é o que tem impedindo o nosso crescimento e tem sido danosa principalmente aos micro e pequenos produtores – rebateu Lima.
Esperança na comercialização
Em torno dos produtores de Salinas, circulam distribuidores e comerciantes, como Tito Moraes e Carlos Andriani. Alguns produtores depositam em Andriani, que entrou para o circuíto da cachaça de Salinas há dois anos, a esperança de ter uma marca de destaque nas prateleiras brasileiras. O empresário chegou na cidade fazendo altos investimentos: comprou uma fazenda, onde se produz a cachaça Indaiazinha, abriu uma loja e ainda adquiriu os direitos de várias marcas. Entre os produtores a informação é que o fôlego de investimentos de Andriani chegaria a R$ 100 milhões. Ele nega.
— Estamos sendo cobrados pelo mercado francês, americano, angolano, chines sobre compras de cachaça. Nosso desafio é estarmos estruturados para atendermos a essa demanda. A cachaça brasileira sem dúvida vai ser o produto que vai estar nos bares do mundo inteiro – avalia. — Na cachaça artesanal, e principalmente com raiz de tradição como é de Salinas, ninguém está preparado para explodir em demanda. Em alguns produtos, a tendencia é aumentar preço — diz Andriani.
Diferentemente de produtores que veem na produção pequena o segredo para agregar valor, Lucas Mendes, da cachaça Tabúa, tem esperança de distribuir os 350 mil litros produzidos por ano e atingir os 500 mil litros de capacidade instalada. Ex-seminarista, o jovem dono da fazenda que dá nome à sua pinga quer expandir. Porém, Lucas fez uma aposta errada quando entrou no mercado com sua cachaça de alto nível, a única da região com registro no Inmetro: colocou seu produto em bares de São Paulo e Rio com preço abaixo do custo, numa tentativa de construir marca para depois elevar o valor, o que não consegue mais fazer. Agora, ele e Andriani criaram uma joint-venture cachaceira: o comerciante vai trabalhar o reposicionamento da Tabúa, e Lucas irá produzir o líquido que levará as marcas compradas por Andriani.
Se para os pequenos produtores a briga ainda é pelo mercado interno, para indústrias da cachaça o reconhecimento pelos Estados Unidos do destilado como exclusivamente brasileiro deve impulsionar as exportações. A estimativa do Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), entidade que reúne os produtores, é de crescimento de 12% nos valores totais exportados da branquinha este ano, em comparação ao ano passado. O setor prevê ainda aumento de 8% nos volumes embarcados.
— Acreditamos que o aumento das exportações para os EUA já seja um reflexo positivo do processo de reconhecimento da Cachaça como bebida distinta do Brasil — afirma Carlos Lima, diretor-executivo do IBRAC.
No primeiro semestre deste ano, os valores embarcados da aguardente apenas para os Estados Unidos cresceram 12,6%, frente mesmo período de 2011. Em volume, as exportações cresceram fortemente: 40,2%.
Para o setor, o potencial de crescimento das exportações é grande. De acordo com a Companhia Müller de Bebidas, fabricante da cachaça 51, as exportações anuais do setor representam algo entre US$ 15 milhões e 20 milhões, e esses valores podem ser multiplicados por dez.
Mas não é só com festa que o setor vê o reconhecimento da cachaça como produto exclusivamente brasileiro. A Müller avalia que as vendas ao exterior do destilado à granel causam preocupação, já que essas vendas adicionam pouco valor às exportações, porque têm preços muito baixos, e ainda permitem que se engarrafe no exterior a bebida, pura ou adicionada de outros aditivos, o que pode corromper as características da cachaça.
Por enquanto, a abertura do mercado norte-americano não deve gerar um incremento nos investimentos. Os grandes produtores avaliam que a cachaça que deve ser destinada ao mercado externo ainda é pequena perto da produção total, e representam uma parcela pequena da ocupação industrial disponível.
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