Diplomata pede sigilo de papéis sobre ex-presidente e Odebrecht, que, pela lei, são públicos
BRASÍLIA - O Ministério das Relações Exteriores deflagrou ação para evitar que documentos que envolvam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a Odebrecht, empreiteira investigada na Operação Lava-Jato, venham a público. A ordem interna partiu do diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD) do Itamaraty, ministro João Pedro Corrêa Costa, depois que o órgão que ele dirige recebeu um pedido de informações de um jornalista baseado na Lei de Acesso à Informação. O GLOBO obteve um memorando que ele disparou, na última terça-feira, sugerindo a colegas do Itamaraty que tornassem sigilosos documentos “reservados” do ministério que citam a Odebrecht entre 2003 e 2010, que, pela lei, já deveriam estar disponíveis para consulta pública.
Pela lei, papéis “reservados” perdem o sigilo em cinco anos. No ofício interno do Itamaraty, o diplomata cogita a reclassificação dos documentos como “secretos”, o que aumentaria para 15 anos o prazo para divulgação. Dessa forma, as informações continuariam sigilosas por até dez anos.
“Nos termos da Lei de Acesso, estes documentos já seriam de livre acesso público. Não obstante, dado ao fato de o referido jornalista já ter produzido matérias sobre a empresa Odebrecht e um suposto envolvimento do ex-presidente Lula em seus negócios internacionais, muito agradeceria a Vossa Excelência reavaliar a anexa coleção de documentos e determinar se há, ou não, necessidade de sua reclassificação para o grau de secreto”.O memorando de Costa enviado à Subsecretaria-Geral da América do Sul, Central e do Caribe (Sgas) foi motivado por um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação pelo jornalista Filipe Coutinho, da revista “Época”. Ele solicitou todos os telegramas e despachos reservados do ministério que citam a Odebrecht e que, por conta do prazo, já deveriam ser públicos. No pedido, não há referência a Lula. A citação ao ex-presidente aparece apenas na justificativa dada pelo chefe do DCD para pedir a reanálise dos documentos antes de decidir o que pode ou não ser entregue ao jornalista. O texto admite que os papéis já deveriam ser públicos:
Em 30 de abril deste ano, a revista “Época” publicou reportagem sobre abertura de investigação do Ministério Público Federal (MPF) relativa à suspeita de tráfico de influência praticada por Lula para beneficiar negócios da Odebrecht no exterior. A investigação do MPF foi aberta a partir de reportagem do jornal O GLOBO, que revelou, no dia 12 de abril, viagens de Lula pagas pela empreiteira.
Segundo a Lei de Acesso, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em maio de 2012, documentos com grau de “reservado” são protegidos por apenas cinco anos a partir da data em que foram originados. Já os “secretos” são protegidos por 15 anos. Isso significa que todos os documentos reservados durante o governo Lula já poderiam ser de conhecimento público. Se a reclassificação cogitada pelo DCD for feita, os documentos requeridos pelo jornalista passarão a ter o sigilo estendido em até dez anos. Os mais antigos, de 2003, só poderão ser liberados em 2018. Já os mais recentes do pedido, de 2010, só seriam conhecidos em 2025.
INFORMAÇÕES JÁ TINHAM SIDO REUNIDAS
O departamento responsável pela busca de material requisitado via Lei de Acesso já tinha compilado e imprimido o material para entregar ao repórter, mas recebeu o pedido para reavaliar tudo. Os arquivos foram distribuídos para cada setor do Itamaraty responsável pelos temas abordados para que eles analisassem o que era considerado comprometedor e, portanto, poderia ganhar o status de “secreto”.
Além do memorando, os funcionários que deveriam executar essa tarefa receberam um e-mail explicando como deveriam agir. A mensagem faz referência a procedimento similar realizado pelo Itamaraty no mês passado: separar em duas pastas o material autorizado para divulgação e o material que deveria ser reclassificado.
O memorando foi enviado no dia 9 de junho, e o prazo dado por Costa para que os diplomatas fizessem a análise vencia hoje, a tempo de decidir pela reclassificação antes de vencer o prazo que o Itamaraty tem para responder ao pedido de informação feito pelo jornalista, que é de 20 dias. A lei diz que órgãos públicos podem prorrogar o prazo por mais dez dias. O memorando obtido pelo GLOBO não aponta a data em que o pedido foi feito.
Segundo a Lei de Acesso, o governo pode, antes de liberar um documento desclassificado, analisar o conteúdo para saber se ainda há algum trecho que precisa ser protegido por motivo legal ou que possa violar a intimidade de uma pessoa. Nesses casos, o documento pode ser liberado com tarjas nos trechos ainda sensíveis, ou o órgão pode reclassificar o texto para que o sigilo permaneça por mais tempo. Entretanto, tudo tem que ser feito com base no disposto na lei, onde não há previsão de proteção da imagem de ex-presidente por conta de possíveis reportagens, justificativa interna usada por Costa para pedir a reavaliação.
No fim de abril, o Ministério Público Federal (MPF) abriu um procedimento na primeira instância da Justiça Federal para apurar se Lula praticou tráfico de influência em favor da Odebrecht na obtenção de contratos no exterior com financiamento do BNDES. O MPF apura se o petista obteve, entre 2011 e 2013, vantagem financeira para influenciar agentes públicos em atos relacionados a transações comerciais internacionais da empreiteira.
A reportagem do GLOBO que motivou a ação do MPF revelou que o diretor de Relações Institucionais da empreiteira, Alexandrino Alencar, acompanhou o ex-presidente em viagem a três países: Cuba, República Dominicana e Estados Unidos. Os custos foram pagos pela Odebrecht, e a viagem foi caracterizada como sigilosa em documentos da empresa de táxi aéreo que alugou o jatinho usado no périplo. Alencar é acusado por delatores na Operação Lava-Jato de ser operador de pagamento de propinas da Odebrecht. A companhia nega essa acusação e a de participar do cartel de empreiteiras que fraudava contratos na Petrobras, alvo da Lava-Jato.
Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, a ordem para a reclassificação de documentos no Itamaraty estaria ocorrendo sistematicamente. Às vésperas do início da vigência da Lei de Acesso, em maio de 2012, o ministério montou uma força-tarefa para reclassificar uma série de documentos. E em 2014, depois da polêmica envolvendo os gastos da presidente Dilma Rousseff em uma escala que fez a Lisboa, o DCD enviou a todos os postos do Brasil no exterior uma circular telegráfica com a ordem de que, a partir daquele momento, todas as despesas de Dilma em viagens internacionais deveriam ser sigilosas. Na parada que fez na capital portuguesa, entre a visita a Davos e seu comparecimento à cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Havana, a presidente se hospedou na suíte presidencial do luxuoso hotel Ritz, cuja diária custava, à época, R$ 26,2 mil.
O GLOBO perguntou ao Itamaraty se havia orientação específica para a reclassificação de documentos relacionados a alguma empresa que tenha sido vinculada a autoridade ou ex-autoridade, como o ex-presidente Lula. O Ministério das Relações Exteriores negou que tenha dado tal ordem. “Não há qualquer orientação formal nesse sentido”, diz a nota enviada. No caso dos documentos reservados produzidos entre 2003 e 2010, o Itamaraty diz que “a orientação geral é a de que pedidos de informação que tratem de matéria cuja divulgação possa ainda prejudicar os interesses externos do país sejam reavaliadas”.
O ministério informou que o Departamento de Comunicações e Documentação supervisiona o trabalho de reclassificação de documentos que é feito por cada uma das áreas temáticas da chancelaria. Sustentou também que segue o disposto na Lei de Acesso, que prevê a reavaliação periódica de documentos classificados. O ministério informou que adota critérios da lei nessa reavaliação, como o que prevê proteção a documentos que possam “prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do país, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais”. Os pedidos de informação, segundo o Itamaraty, são examinados caso a caso.
O Itamaraty frisou que “cumpre rigorosamente os dispositivos estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação no que diz respeito às normas de classificação da informação oficial”. Explicou ainda que, desde a edição da lei, foram desclassificados 32.485 documentos, de um total de 85.992 produzidos desde 1983.
No fim de abril, o Ministério Público Federal (MPF) abriu um procedimento na primeira instância da Justiça Federal para apurar se Lula praticou tráfico de influência em favor da Odebrecht na obtenção de contratos no exterior com financiamento do BNDES. O MPF apura se o petista obteve, entre 2011 e 2013, vantagem financeira para influenciar agentes públicos em atos relacionados a transações comerciais internacionais da empreiteira.
A reportagem do GLOBO que motivou a ação do MPF revelou que o diretor de Relações Institucionais da empreiteira, Alexandrino Alencar, acompanhou o ex-presidente em viagem a três países: Cuba, República Dominicana e Estados Unidos. Os custos foram pagos pela Odebrecht, e a viagem foi caracterizada como sigilosa em documentos da empresa de táxi aéreo que alugou o jatinho usado no périplo. Alencar é acusado por delatores na Operação Lava-Jato de intermediar propinas da Odebrecht. A companhia nega essa acusação e a de participar do cartel de empreiteiras que fraudava contratos na Petrobras, alvo da Lava-Jato.
RECLASSIFICAÇÃO É RECORRENTE
A ordem para a reclassificação de documentos no Itamaraty vem se repetindo. Às vésperas do início da vigência da Lei de Acesso, em maio de 2012, o ministério montou uma força-tarefa para reclassificar uma série de documentos. E em 2014, depois da polêmica envolvendo os gastos da presidente Dilma Rousseff em uma escala que fez a Lisboa, o DCD enviou a todos os postos do Brasil no exterior uma circular telegráfica com a ordem de que, a partir daquele momento, todas as despesas de Dilma em viagens internacionais deveriam ser sigilosas. Na parada que fez na capital portuguesa, entre a visita a Davos e seu comparecimento à cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Havana, a presidente se hospedou na suíte presidencial do luxuoso hotel Ritz, cuja diária custava, à época, R$ 26,2 mil.
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