Promessas genéricas não acabam com as filas do SUS. De onde sairá o dinheiro para financiar os serviços com que os brasileiros sonham?
CRISTIANE SEGATTO
29/08/2014 16h18 - Atualizado em 29/08/2014 16h59
Poucos hits da internet traduzem tão bem o vazio de ideias e o deboche do horário eleitoral gratuito quanto o vídeo “Programa Político”, estrelado pelo ator Fábio Porchat, no canal Porta dos Fundos. É uma maravilha:
“Vote naquele que fará pela saúde, pela educação, pelos idosos”, diz o candidato. “Ah, pelos idosos...” E cai na gargalhada. Não vou contar o final para não estragar a surpresa, caso alguém ainda não conheça esse retrato perspicaz dos maus hábitos da nossa política.
Subestimar a inteligência do eleitor é uma prática disseminada. Não sei até quando ela vai funcionar. Mesmo com os imensos déficits de educação do Brasil, hoje qualquer pessoa com acesso à internet pode confrontar afirmações levianas e promessas sem pé nem cabeça com fatos e números. E quem tem disposição e habilidades suficientes para consultar as fontes corretas pode facilmente se transformar num multiplicador de conhecimento por meio das redes sociais.
Sucessivas pesquisas demonstram que a saúde é a maior preocupação dos cidadãos. O que me intriga, eleição após eleição, é a falta de coragem dos candidatos de enfrentar as discussões duras e objetivas sobre o financiamento do sistema de saúde. Ele não vai melhorar enquanto os brasileiros continuarem caindo no conto das medidas emergenciais e eleitoreiras.
O SUS foi criado em 1988 com a melhor das intenções. Se funcionasse como o previsto na Constituição, seria um belíssimo instrumento de justiça social. Para ser justo e universal, para oferecer tudo (todo e qualquer tipo de tratamento) para toda a população (dos mais pobres aos mais ricos), o SUS precisa receber mais dinheiro. E, ainda assim, talvez não fosse possível oferecer todas as novas e caríssimas soluções criadas pela indústria farmacêutica. Nenhum país do mundo consegue fazer isso.
Os cerca de 9% do PIB que o Brasil aplica em saúde (somando-se os recursos públicos e privados) não sustentam o sistema imaginado em 1988. Como resolver a equação? Nesta eleição, ressurgiu a promessa de aplicar em saúde 10% do orçamento da União.
Subestimar a inteligência do eleitor é uma prática disseminada. Não sei até quando ela vai funcionar. Mesmo com os imensos déficits de educação do Brasil, hoje qualquer pessoa com acesso à internet pode confrontar afirmações levianas e promessas sem pé nem cabeça com fatos e números. E quem tem disposição e habilidades suficientes para consultar as fontes corretas pode facilmente se transformar num multiplicador de conhecimento por meio das redes sociais.
Sucessivas pesquisas demonstram que a saúde é a maior preocupação dos cidadãos. O que me intriga, eleição após eleição, é a falta de coragem dos candidatos de enfrentar as discussões duras e objetivas sobre o financiamento do sistema de saúde. Ele não vai melhorar enquanto os brasileiros continuarem caindo no conto das medidas emergenciais e eleitoreiras.
O SUS foi criado em 1988 com a melhor das intenções. Se funcionasse como o previsto na Constituição, seria um belíssimo instrumento de justiça social. Para ser justo e universal, para oferecer tudo (todo e qualquer tipo de tratamento) para toda a população (dos mais pobres aos mais ricos), o SUS precisa receber mais dinheiro. E, ainda assim, talvez não fosse possível oferecer todas as novas e caríssimas soluções criadas pela indústria farmacêutica. Nenhum país do mundo consegue fazer isso.
Os cerca de 9% do PIB que o Brasil aplica em saúde (somando-se os recursos públicos e privados) não sustentam o sistema imaginado em 1988. Como resolver a equação? Nesta eleição, ressurgiu a promessa de aplicar em saúde 10% do orçamento da União.
Isso é defendido por muitos especialistas desde os anos 80. É uma ideia justificável. O gasto público do país por habitante (US$ 474, segundo dados de 2010 reunidos pela OMS) é inferior ao gasto da Argentina (US$ 851), do Chile (US$ 562), da França US$ 3.075) e do Reino Unido (US$ 2.857).
Adoraria que o aumento do investimento em saúde pelo governo federal virasse realidade, mas é o tipo de promessa que tem grandes chances de ficar pelo caminho. Ela só poderia acontecer se houvesse um crescimento econômico espetacular – algo distante da realidade brasileira.
Os candidatos que fazem essa promessa precisam dizer com todas as letras como pretendem fazer isso. Vão aumentar impostos? Tirar dinheiro de outros ministérios? A discussão não deve ficar só no dinheiro. O que vão fazer para melhorar a gestão do SUS?
Há medidas impopulares no horizonte, como limitar o atendimento público a determinadas faixas de renda? Garantir o acesso a um determinado pacote de programas, tratamentos e drogas -- e só a eles? O que pretendem fazer para reduzir as ações judiciais de cidadãos que exigem todo e qualquer recurso de saúde – independentemente do preço e de estar ou não disponível no SUS?
Ninguém é capaz de assumir o ônus político de dizer que medidas impopulares podem ser necessárias para tornar o SUS verdadeiramente justo e universal. Sobra emoção e falta racionalidade quando se discute os rumos da saúde.
Se queremos um SUS melhor, precisamos nos armar de calculadoras. Fazer contas, mergulhar em planilhas, cobrar resultados e desprezar os políticos que só dizem generalidades.
São muitas as medidas necessárias para melhorar a assistência à saúde. Uma delas é garantir a correta distribuição dos recursos públicos entre as regiões. Um bom começo é investir na construção de um mapa das reais necessidades de cada região. Isso permitirá que o investimento seja feito de forma correta, na área que mais precisa dela.
Só com organização de alto nível é possível conter desperdício e transformar dinheiro em qualidade de vida. Em alguns estados do Nordeste, por exemplo, o número de mamógrafos disponíveis no SUS encontra-se acima do parâmetro adequado. Mesmo assim, a quantidade de mamografias realizadas está abaixo do esperado. Como isso é possível?
“Muitas mulheres faltam ao exame agendado porque não têm dinheiro para pagar o transporte”, diz o médico David Souza, professor de gestão em saúde do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Não há dúvida de que os recursos da saúde são escassos, mas a falta de racionalidade nos três níveis de gestão (governo federal, estados e municípios) produz desperdício sem melhorar a vida das pessoas. Racionalizar, segundo a definição de David Souza, significa o seguinte:
Adoraria que o aumento do investimento em saúde pelo governo federal virasse realidade, mas é o tipo de promessa que tem grandes chances de ficar pelo caminho. Ela só poderia acontecer se houvesse um crescimento econômico espetacular – algo distante da realidade brasileira.
Os candidatos que fazem essa promessa precisam dizer com todas as letras como pretendem fazer isso. Vão aumentar impostos? Tirar dinheiro de outros ministérios? A discussão não deve ficar só no dinheiro. O que vão fazer para melhorar a gestão do SUS?
Há medidas impopulares no horizonte, como limitar o atendimento público a determinadas faixas de renda? Garantir o acesso a um determinado pacote de programas, tratamentos e drogas -- e só a eles? O que pretendem fazer para reduzir as ações judiciais de cidadãos que exigem todo e qualquer recurso de saúde – independentemente do preço e de estar ou não disponível no SUS?
Ninguém é capaz de assumir o ônus político de dizer que medidas impopulares podem ser necessárias para tornar o SUS verdadeiramente justo e universal. Sobra emoção e falta racionalidade quando se discute os rumos da saúde.
Se queremos um SUS melhor, precisamos nos armar de calculadoras. Fazer contas, mergulhar em planilhas, cobrar resultados e desprezar os políticos que só dizem generalidades.
São muitas as medidas necessárias para melhorar a assistência à saúde. Uma delas é garantir a correta distribuição dos recursos públicos entre as regiões. Um bom começo é investir na construção de um mapa das reais necessidades de cada região. Isso permitirá que o investimento seja feito de forma correta, na área que mais precisa dela.
Só com organização de alto nível é possível conter desperdício e transformar dinheiro em qualidade de vida. Em alguns estados do Nordeste, por exemplo, o número de mamógrafos disponíveis no SUS encontra-se acima do parâmetro adequado. Mesmo assim, a quantidade de mamografias realizadas está abaixo do esperado. Como isso é possível?
“Muitas mulheres faltam ao exame agendado porque não têm dinheiro para pagar o transporte”, diz o médico David Souza, professor de gestão em saúde do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Não há dúvida de que os recursos da saúde são escassos, mas a falta de racionalidade nos três níveis de gestão (governo federal, estados e municípios) produz desperdício sem melhorar a vida das pessoas. Racionalizar, segundo a definição de David Souza, significa o seguinte:
• Fazer um diagnóstico preciso das necessidades de saúde da população
• Construir protocolos de conduta que permitam oferecer o cuidado necessário prioritariamente a quem mais precisa dele
• Regular o acesso a serviços e tratamentos com base nesses protocolos
• Capacitar os profissionais das redes de saúde para que eles possam fazer uma boa gestão dos recursos disponíveis
• Monitorar regularmente a efetividade de todo o processo de regulação
• Construir protocolos de conduta que permitam oferecer o cuidado necessário prioritariamente a quem mais precisa dele
• Regular o acesso a serviços e tratamentos com base nesses protocolos
• Capacitar os profissionais das redes de saúde para que eles possam fazer uma boa gestão dos recursos disponíveis
• Monitorar regularmente a efetividade de todo o processo de regulação
“Todo médico precisa saber que os recursos são limitados. Isso vale para qualquer sistema de saúde do mundo”, diz Souza. “O exame que ele pede para um paciente faltará a outro”. Por isso, é fundamental que a solicitação seja feita com base em critérios claros e objetivos.
Faremos, daremos, construiremos são os verbos mais usados pelos candidatos quando se referem à saúde. Quem for sincero o suficiente para assumir as mudanças impopulares e necessárias para reorganizar o SUS perde a eleição.
Enquanto os brasileiros não estiverem preparados para ouvir as verdades duras e valorizar os políticos que as defendem, o sistema de saúde vai continuar na mesma. Assim como a balela dos candidatos que “farão pela saúde, pela educação e pelos idosos”.
Que o voto consciente traga um futuro melhor e mais saudável. Com esse texto, me despeço e entro em férias. A coluna volta a ser publicada em outubro. Até lá e boa eleição para todos nós!
Enquanto os brasileiros não estiverem preparados para ouvir as verdades duras e valorizar os políticos que as defendem, o sistema de saúde vai continuar na mesma. Assim como a balela dos candidatos que “farão pela saúde, pela educação e pelos idosos”.
Que o voto consciente traga um futuro melhor e mais saudável. Com esse texto, me despeço e entro em férias. A coluna volta a ser publicada em outubro. Até lá e boa eleição para todos nós!
(Cristiane Segatto
Nenhum comentário:
Postar um comentário