Blog do Noblat
Luisa Leme
Um fetiche urbanístico: o parque suspenso em Nova Iorque, que costumava ser uma linha de trem, virou fissura entre os paulistanos nas últimas semanas. E a notícia sobre o eventual desativamento do Elevado Costa e Silva em São Paulo, acompanhado de uma proposta de se fazer um parque no Minhocão, me fez pensar nas duas estruturas e dizer que a comparação fica cada vez mais difícil. Por mais que eu gostasse de ver um parque parecido em São Paulo, o Minhocão não é o High Line. Por causa de algumas diferenças:
Ao subir as escadas para entrar no parque, que fica entre bairros como o Meat Packing District e o Chelsea, o High Line funciona como um analgésico do concreto. Um refúgio no Oeste de Manhattan, onde tudo tem um clima industrial, grande e novo - herança de uma exploração imobiliária rápida e louca, que o ex-prefeito Bloomberg deixou para os milhonários que frequentam a cidade.
Do High Line, se vê o rio Hudson, o Empire State, murais como a releitura do beijo de Alfred Eisenstaedt pelo Eduardo Kobra na rua 25, o verde que se plantou entre os trilhos preservados pelo projeto do parque, os bancos de madeira onde as pessoas namoram e tomam sol… O fetiche na verdade é dos fotógrafos, dos turistas, de todos que adoram uma novidade urbana que possa ser aproveitada diante da crescente desigualdade e exclusão de Nova Iorque. Afinal, muita gente não pode mais morar no West Side. Quem batalha na cidade não compra muito nem se diverte na região, mas ainda se permite um passeio a pé no High Line.
O parque surgiu porque o desenvolvimento que já estava acontecendo no lado Oeste de Manhattan se deparou com uma estrutura abandonada. O Meat Packing era um bairro onde só existiam açougues mesmo. E depois das muitas fábricas da área fecharem, comunidades excluidas dos anos 70 (os gays, os artistas) começaram a mudar para lá. O “boom” da região veio nas últimas décadas e hoje, existem apartamentos em volta do High Line que custam 20 mil dólares por mês (sim, você leu corretamente). Eu me pergunto o que aconteceu com a região do Elevado em São Paulo nas últimas décadas…a história não é a mesma.
Além disso, a estrutura aqui é estreita: mais de três pessoas caminhando lado a lado e já fica difícil. Não ocupa tanto espaço e nunca fez parte do trânsito de carros de Manhattan. Era um trilho que não funcionava desde 1980 e que foi construído 50 anos antes para que a rua embaixo não fosse invadida com um trem. Aliás, a rua embaixo do High Line é uma via nova-iorquina normal, onde passam carros, bicicletas e pedestres. Hoje, muitos restaurantes, lojas e até museus estão se acoplando ao High Line sem que a estrutura seja um empecilho diante de outras empreitadas no bairro. Nunca seria chamado de “minhocão”. Um carro sequer não cabe lá.
O parque neste caso é uma das vitórias de cidadãos que se organizaram, nunca carregou o nome de um ditador como o Minhocão. O High Line surgiu porque moradores do lugar se uniram e convenceram a cidade a não demolir a linha de trem e transformá-la em um parque. Foram alguns anos de estudo, consultas e o projeto levou uma década para ficar pronto. A iniciativa virou uma organização da qual todos podem participar (como voluntários, membros, doadores). Não foi criado para solucionar um problema, mas sim para que os moradores pudessem preservar uma estrutura histórica de uma Nova Iorque que não existe mais, e que se tornou um espaço de lazer para todos os pedestres da cidade.
Luisa Leme é jornalista e produtora de documentários. Passou pela TV Cultura e TV Globo em São Paulo, e pelas Nações Unidas em Nova York. Mora nos Estados Unidos há sete anos e fez mestrado em relações internacionais na Washington University in St. Louis. Escreve aqui sempre às quintas-feiras. Mantém o blog DoubleLNYC com imagens e impressões sobre Nova York. Twitter: @luisaleme
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