sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A hora dos ex-companheiros, por Mara Bergamaschi


Quem, como minha a geração de jornalistas, viu o PT crescer na oposição até conseguir vencer as eleições em 2002 e se consolidar como governo, certamente percebeu um fato interessante: quatro dos sete ocupantes das tribunas do debate da TV Bandeirantes eram quadros petistas – além da presidente Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB), Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL).
Parlamentares de destaque que, em momentos cruciais, se decepcionaram com as posições políticas e éticas do partido.
A mais ruidosa delas foi a criação do PSOL por setores da esquerda do PT, após o escândalo do mensalão em 2004.
Essas defecções, mais do que uma constatação didática, são o retrato menos fotogênico das transformações que o PT sofreu na situação, em sua trajetória de incendiário a bombeiro.
Talvez a dificuldade para se relacionar (e valorizar) ex-companheiros – que até aqui sobreviveram eleitoralmente como nanicos – explique em parte o fato de Dilma não ter encarado Marina como principal adversária no debate da última terça-feira.
Apesar de as pesquisas indicarem há duas semanas a forte subida da substituta de Eduardo Campos, Dilma evitou legitimar Marina e insistiu em um quadro eleitoral que neste momento já não existe.
A candidata à reeleição não reagiu nem quando Marina, que mirou o tempo todo a presidente, chamou seu ministério de “anônimo”, fruto do “toma-lá-dá-cá” com o Congresso, e referiu-se a falsos gerentes “que não gerenciam nem a si próprios” – alusão à tutela de Lula sobre Dilma, novamente presente na propaganda pelo segundo mandato.
É trabalhoso para o PT rever toda sua estratégia e abandonar o cômodo discurso antitucano repetido há duas décadas. E vice-versa. Mas ontem, sem deixar de confrontar Dilma, a campanha de Aécio Neves (PSDB) mostrou agilidade para reagir ao furacão Marina.
Desbancado do segundo lugar pelo PSB, Aécio foi obrigado a se “duplicar” para tentar se recolocar em um eventual segundo turno: ora contra Dilma, ora sim contra Marina.
De maneira geral, os três principais candidatos saíram-se bem no debate.
Dilma, ainda pouco à vontade, teve novamente dificuldades para aproveitar seu tempo diante da enxurrada de projetos que quis destacar.
Marina mostrou argumentações seguras, mas detalhou pouco seu programa de governo.
Calmo e objetivo nas propostas, Aécio foi talvez o mais comunicativo.
Já os nanicos cumpriram seu papel – mas podiam ter animado um pouco mais as discussões.
Agora resta acompanhar como o personalíssimo eleitor de 2014 julgará o desempenho dos presidenciáveis – neste e nos próximos debates.

Marina Silva, Aécio Neves, o jornalista Ricardo Boechat e Dilma Rousseff - Foto:Fernando Donasci / Agência O Globo

Mara Bergamaschi é jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras “Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte” (romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010). Escreve aqui às quintas-feiras

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