sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Crônica de um fracasso anunciado, por Paulo Cesar Marques da Silva


O Brasil passou mais de duas décadas sem saber para onde ir em termos de mobilidade urbana.
Depois de um período em que se destacou na produção de algumas das soluções que viraram referências internacionais, mergulhou numa longa fase de gestões medíocres e desarticuladas, da qual poderia começar a sair no ano que vem. Mas parece decidido a jogar fora a oportunidade.
Nos anos em que desenvolveu técnicas e conceitos como o do Ligeirinho de Curitiba – que agora importamos com o nome de Bus Rapid Transit – e dos Comboios Ordenados de São Paulo, só para falar de dois dos mais conhecidos e bem sucedidos exemplos, o país investia na capacitação de técnicos nas três esferas da administração.
Para isso contava com com a Empresa Brasileira de Transportes Públicos (EBTU) e, responsável por uma área de atuação mais ampla, com a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT, que nascera como o nome de Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes).
É verdade que naqueles anos de chumbo (o GEIPOT foi criado em 1965 e a EBTU dez anos depois), não havia respeito à autonomia dos municípios e a atuação dos órgãos federais muitas vezes foi associada a práticas intervencionistas. Mas não é menos verdade que a convivência com as equipes técnicas qualificadas desses órgãos beneficiou dezenas de municípios.
A Constituição de 1988 tentou corrigir as distorções. Por um lado estabeleceu o pacto federativo em bases que asseguram papel destacado aos municípios e, por outro, atribuiu à União a missão de legislar definindo diretrizes para o transporte urbano.
A intenção, porém, esbarrou em dois obstáculos: um normativo – ficamos quase vinte e quatro anos sem a tal lei de diretrizes – e outro institucional – sucessivos governos desmantelaram os órgãos federais (a EBTU foi extinta em 1991 e o GEIPOT em 2008, depois de seis anos em liquidação).
A Lei 12.587, que estabelece as diretrizes da mobilidade urbana, foi finalmente promulgada pelo Congresso Nacional em 2011 e sancionada em janeiro de 2012. Nela está definido o prazo para municípios com mais de 20 mil habitantes formularem seus Planos de Mobilidade: abril de 2015.
Estamos a oito meses da linha de chegada e pouco se tem visto nas cidades que nos faça crer no cumprimento do prazo. Sem dúvida, esse é um resultado do esvaziamento das administrações públicas.
É de se lamentar, mas parece que nos restarão duas alternativas: ou uma alteração na lei que prorrogue os prazos ou a conhecida farra da venda de planos a prefeituras por consultores que, às vezes, esquecem até de trocar o nome do município no cortar-e-colar de seus arquivos.
 

Paulo Cesar Marques da Silvaengenheiro, doutor em estudos de transportes pela University College London (Reino Unido), é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília. Escreverá aqui sempre às quintas-feiras

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