domingo, 8 de junho de 2014

Pacto da impunidade - SUELY CALDAS


O ESTADO DE S. PAULO - 08/06

Um pacto entre parlamentares da base governista e da oposição para livrar grandes empresas das investigações da CPI mista da Petrobrás foi revelado em reportagem de Débora Álvares, publicada domingo passado neste jornal. Não é a primeira vez que isso acontece nem será a última. A blindagem de proteção a essas empresas é garantida por parlamentares que delas recebem expressivas doações de dinheiro para financiar suas campanhas eleitorais. Aconteceu no passado em outras CPIs e nesta, às vésperas de uma eleição, os doadores podem ficar ainda mais tranquilos: PMDB, PT, PSDB, PSB, DEM, PP, PDT, etc., vão se esmerar para mantê-los bem longe da CPMI. E na disputa por doações levam vantagem PMDB e PT, que detêm a presidência e a relatoria.

A Comissão Parlamentar de Inquérito é um instrumento de fiscalização a que os partidos minoritários recorrem para investigar suspeitas de crimes, fraudes e outras irregularidades praticadas por agentes do poder público, sobretudo quando envolvem desvios de dinheiro. É um recurso absolutamente necessário para a democracia, quando levado a sério, investiga, produz resultados e os acusados são levados à Justiça e punidos. Mas no Brasil, com raras exceções, elas têm servido muito mais de palco, palanque para os políticos - da base governista e da oposição. Depois da ditadura militar as CPIs foram banalizadas e multiplicadas com o crescimento da corrupção. Só no governo Lula foram instaladas nada menos que 24. Acordos entre parlamentares que delas participam, como este da CPMI da Petrobrás, levam à frustração em resultados e engrossam a desilusão, frustração e descrença da população no Poder Legislativo.

Poucas delas produziram desdobramentos que chegassem à Justiça. As mais conhecidas foram a CPI do ex-presidente Fernando Collor, que resultou em impeachment e suspensão de seus direitos políticos por oito anos; e a CPI dos Correios, que investigou a prática do mensalão e condenou 24 réus, entre eles um ex-ministro de Lula, parlamentares do PT e banqueiros. Em compensação a CPI do bicheiro Carlinhos Cachoeira, que ficou conhecida como a "CPI do fim do mundo", pela pretensão de investigar um número expressivo de políticos, produziu tão somente a cassação do mandato do ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e a breve prisão de nove meses de Cachoeira.

Já nem lembrança resta, mas em 2009 o Senado instalou uma CPI relâmpago da Petrobrás, que realizou apenas 13 sessões e seu relator, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), fez apaixonada defesa da empresa e inocentou todos os envolvidos. A oposição produziu um relatório paralelo apontando 18 irregularidades, entre elas a prática de superfaturamento na Refinaria Abreu e Lima (também investigada agora) e a venda de uma refinaria à Bolívia por preço inferior ao do mercado, exatamente o inverso do caso da Refinaria de Pasadena, que a Petrobrás teria comprado a preço acima do mercado. Parece até reprise de um filme - aliás, o presidente da CPI de 2009, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), é o mesmo desta CPMI que mal começou e já produziu um pacto de impunidade.

Se já não havia esperanças com uma CPMI no meio da Copa do Mundo, do recesso parlamentar e da campanha eleitoral e dominada por partidos aliados do governo, a desesperança é reforçada com esta farsa montada com a ajuda da oposição, que busca apontar corruptos, mas esconde corruptores.

Se real fosse a disposição de apurar, a investigação poderia começar por auditoria concluída pela própria Petrobrás, que encontrou ágio de até 1.654% em preços praticados pelo Grupo Odebrecht na execução de um contrato de prestação de serviços de segurança e meio ambiente em dez países. Na Argentina, por exemplo, a construtora teria pago R$ 7,2 milhões pelo aluguel de três máquinas fotocopiadoras e R$ 3,2 milhões pelo aluguel de um terreno próprio da Petrobrás. E ainda requisitar da Polícia Federal investigações que apuraram a prática de superfaturamento na Refinaria Abreu e Lima, de parte do consórcio liderado pela Construtora Camargo Correa. Mas para que investigar doadores de campanha?


O que caracteriza o futebol? - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 08/06

A facilidade para a prática e a flexibilidade devem ter facilitado a difusão do futebol pelo mundo


Com o início da Copa do Mundo na próxima semana, teremos uma boa oportunidade para tentar refletir sobre o que faz do futebol o futebol.

Podem-se imaginar duas narrativas para explicar por que, entre tantos esportes, o futebol acabou prevalecendo como o mais popular por larga margem.

A primeira narrativa enfatiza os fundamentos. Há algo de intrinsecamente melhor no futebol que justifique o fato de o esporte ter caído no gosto popular. A segunda assevera que pode simplesmente ter ocorrido uma sucessão de acasos que fez que várias pessoas gostassem do futebol. Uma vez tendo sido criada uma vantagem inicial, ela se realimenta automaticamente.

No primeiro caso, temos um único equilíbrio de longo prazo, e qualquer processo evolutivo teria "descoberto" algo com formato muito próximo ao do futebol. No segun- do, há múltiplas (quiçá infinitas) possibilidades e o processo histó- rico específico teria selecionado o esporte. A escolha teria sido quase por acaso.

Não tenho condição de responder à questão anterior, mas certamente a facilidade do esporte --demandar poucos recursos para sua prática-- e a flexibilidade --poder ser jogado em diversos locais com grupos diversos de pessoas-- devem ter facilitado a difusão.

Além da praticidade e da flexibilidade, parece-me que o espor- te apresenta seis características únicas que talvez sejam, de alguma forma, os fundamentos da sua superioridade.

A primeira é que se trata de um esporte com um erro de design. O pé é muito menos habilidoso do que as mãos. É perfeitamente natural que houvesse pressão para per- mitir o uso das mãos. Ela de fato existiu e gerou o rúgbi como variação do futebol.

A segunda é que é um esporte no qual não há um tipo físico óbvio. Há jogadores altos e baixos, mais ou menos robustos, rápidos e mais lentos etc. O jogo tem tal complexidade de movimentos e possibilidades de funções que acomoda grande diversidade de tipos físicos.

Evidentemente há que ser talentoso. E nesse aspecto é possível que seja tão injusto como qualquer outro esporte. Friso somente que o talento no futebol não se vincula a um tipo físico.

A terceira é que é um esporte de placar baixo, no qual o empate é um resultado perfeitamente natural. Para os aficionados do futebol, uma vitória de 100 a 102 do basquete não faz sentido. O problema é que placares muito elevados tornam muitas vezes a distância entre vitória, empate e derrota muito pequena.

A quarta característica é que é muito difícil descrever a situação do jogo por meio de estatísticas. Com alguma frequência ocorre de um time jogar melhor do que outro, todos que assistem ao jogo reconhecem este fato, mas qualquer estatística --tempo de domínio de bola, chutes ao gol, escanteios conquistados, desarmes etc.-- sugere o contrário. Teria que haver um critério relativamente transparente de caracterizar jogada perigosa, o que é possível, mas nada fácil.

A quinta característica é que às vezes --bem menos do que se imagina-- os fundamentos não prevalecem e o time que está jogando pior vence. Trata-se de uma consequência de ser jogo de placar baixo.

Finalmente, por ser um esporte de contato jogado com o pouco habilidoso pé, a falta é natural do jogo. Se houver vedação muito estrita à falta, o jogo ficará muito chato. A maneira de solucionar esse dilema foi adotar regras de punição não muito lineares. Há uma dimensão temporal e outra espacial na não linearidade.

Ao reincidir nas faltas, o jogador constrói (ou melhor, destrói) sua reputação. Da conversa e do cartão amarelo para o vermelho há for- te descontinuidade na punição. Essa é dimensão temporal da não linearidade.

Por ser praticado com o pé, a defesa tem vantagem sobre o ataque. É difícil construir e fácil destruir. Se o time conseguiu construir uma jogada e levar a bola até a área adversária, já fez demais. Prati- camente marcou um gol. A falta na área é punida com o pênalti. Essa é a dimensão espacial da não linearidade.

Parece-me que somente o fute- bol tem esse conjunto singular de características. É possível que a popularidade seja fruto dos fundamentos.

Os campos da Copa - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 08/06

A copa econômica se ganha em vários campos, e estamos perdendo. Ela deveria aumentar o ritmo de crescimento e elevar o ânimo. Ocorre o oposto. Não estamos eliminados ainda, mas há pouca chance de se aproveitar o momento para retocar a imagem de país do improviso. A bola começará a rolar esta semana e estaremos diante dos olhos do mundo. Ainda há esperança.

Ficar no foco do planeta não serve apenas para aparecer bonito na foto. A hora é de atrair capitais e turistas para além do tempo dos jogos. Os aeroportos não estão terminados, ainda batem o martelo no estádio da estreia, a rede de comunicação celular no país parece perto do colapso, os provedores de wi-fi não entregam o que prometem e a mobilidade urbana travou. Imagina a amplificação da mensagem adversa sobre o país que pode ser enviada pelos formadores de opinião?

O desconforto nos aeroportos pode ser reduzido com boa informação aos visitantes, a mobilidade urbana tem chance de melhorar com os feriados, a última martelada pode ser dada no Itaquerão minutos antes da cerimônia de abertura. Mas se os visitantes não conseguirem se comunicar por falhas na tecnologia de informação será um desastre. Não há hoje em dia um atestado de subdesenvolvimento maior do que não ter uma boa estrutura de comunicação.

Na economia interna, os tempos de Copa não garantiram o aumento do ritmo de atividade econômica que sempre houve. Pelo contrário, o risco maior é de ter um segundo trimestre de encolhimento do Produto Interno Bruto. A confiança do empresário e do consumidor caiu nos últimos meses. O consumidor restringiu suas compras ao essencial e só a produção de televisores aumentou. O empresário engavetou os planos de investimento. O que neutralizou o efeito copa foi a crise avassaladora na área energética. Ninguém investe se não souber responder à pergunta: quanto vai
custar a energia? Essa falta de resposta azedou o clima nas empresas, mais do que qualquer outro problema.

Consultadas pela Fundação Getúlio Vargas, apenas 1,9% das empresas de serviços e 3%, da área do comércio, disseram que vão aumentar as contratações para a Copa. E 10,6% e 7,8%, nos dois setores, falaram em contratar trabalhadores temporários. Emprego não é nosso maior problema, mas se esperava maior dinamismo.

Em qualquer democracia há manifestações e greves. Isso costuma demonstrar a solidez das instituições democráticas. Melhor do que trancafiar os dissidentes como fazem os governos totalitários nas vésperas de eventos internacionais. A China fez isso, mas não conseguiu afastar o fantasma da poluição do ar que apagou o céu e sufocou os visitantes das Olimpíadas de Pequim. O problema dos protestos no Brasil é que eles estão tumultuando a vida de milhões de brasileiros. Esqueça-se a Copa, o Brasil tem que usar os metrôs, ônibus e trens para exercer o direito de ir e vir. É esse direito fundamental dos brasileiros que está sendo atingido nas greves seriais que paralisam as maiores cidades.

O grande legado de qualquer evento internacional é a mudança permanente que fica para a sua população. Exemplo disso foi a esperança de que as Olimpíadas de 2016 ajudassem no caminho do sonho de ser feita uma limpeza na Baía de Guanabara. Chegamos a pensar que ocorreria aqui o que houve em Sidney. Dois anos antes, os cariocas, em particular, e os brasileiros, em geral, já arquivaram esse sonho dourado que existia antes de o país ser escolhido e continuará conosco após 2016. Nas visitas precursoras, estamos passando vergonha diante dos velejadores. Mas eles depois irão para outras águas. Nós ficaremos aqui, e a limpeza era principalmente para os brasileiros. As Olimpíadas eram o pretexto para fazer a coisa certa.

Na Copa, havia também o sonho de que pelo menos alguns dos problemas das cidades-sede iriam ser resolvidos e as soluções ficariam conosco como legado. Já demos um grande abatimento nessa esperança. Agora estamos concentrados em evitar o pior.

Alguns bancos montaram modelos com variáveis e antecedentes do futebol. Avaliaram a qualidade do time, a tradição do país e o fato de jogar em casa. Rodado o modelo, antes de a bola rolar no gramado, ficou constatado que a seleção com maiores chances é a do Brasil. Se os economistas e suas contas estiverem certos, restará essa chance de alegria..

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