quarta-feira, 30 de abril de 2014

Barbosa: Lula não entende Judiciário independente


Presidente do STF repudia declaração de que julgamento da Corte foi "80% decisão política e 20% jurídica"
O GLOBO - CAROLINA BRÍGIDO
BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, ficou indignado com as declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a uma emissora de TV de Portugal, de que a decisão da Corte teve "80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". Em nota divulgada ontem, Barbosa afirmou que os comentários de Lula revelam a dificuldade dele em compreender o papel do Judiciário em uma democracia. O ministro defendeu a atuação do tribunal ao longo do julgamento, pois, segundo ele, houve larga oportunidade de atuação da defesa e da acusação.
"O juízo de valor emitido pelo ex-Chefe de Estado não encontra qualquer respaldo na realidade e revela pura e simplesmente sua dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome", diz o texto.
Outros ministros também reagem.
Barbosa afirmou que as declarações de Lula levam desesperança para o cidadão comum, que clama por justiça contra casos de corrupção. O ministro lamentou ainda que as críticas tenham sido feitas no exterior.
"Lamento profundamente que um ex-presidente da República tenha escolhido um órgão da imprensa estrangeira para questionar a lisura do trabalho realizado pelos membros da mais alta Corte da Justiça do País. A desqualificação do Supremo Tribunal Federal, pilar essencial da democracia brasileira, é um fato grave que merece o mais veemente repúdio. Essa iniciativa emite um sinal de desesperança para o cidadão comum, já indignado com a corrupção e a impunidade, e acuado pela violência. Os cidadãos brasileiros clamam por justiça", escreveu o ministro.
Outros ministros e ex-ministros do STF também reagiram à declaração de Lula, a primeira do ex-presidente em defesa dos condenados por participar do esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de propina em seu primeiro governo. O ministro Marco Aurélio Mello considerou a análise "partidária".
— Ele está atuando no campo partidário, é uma visão leiga partidária — disse Marco Aurélio.
O ministro Gilmar Mendes, em entrevista à rádio Jovem Pan, ironizou as declarações de Lula. Gilmar afirmou que a Corte é idônea, com a maioria dos integrantes indicada por Lula e Dilma Rousseff. Dos 11 integrantes, apenas três chegaram ao tribunal por governos anteriores aos do PT: o próprio Gilmar, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
— Esse tribunal é insuspeito porque, basicamente, ele foi indicado pelo governo petista. (...) Nós não podemos esquecer que o presidente já pediu desculpas à nação pelo fato da existência da prática do mensalão. Ele já disse outras vezes que o mensalão não existiu, que o mensalão foi parcial. Agora, inclusive, nós temos esta conta, que também é muito singular: julgamento político em 80%, 20% jurídico. Como ele não é da área jurídica, talvez também esteja adotando um outro critério. Porque nós não sabemos fazer esse tipo de contabilidade no âmbito do tribunal, nós que lidamos todo dia com processos. Como se enquadrar nesse percentual preciso de 80% e 20%? Está tudo muito engraçado — afirmou.
No Rio, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também rebateu Lula:
— A Ação Penal 470 está encerrada, com um julgamento claro, objetivo, transparente, tendo sido respeitados o contraditório e o amplo direito de defesa. Nós vivemos num país democrático, o direito de manifestação deve ser assegurado. E cabe ao Ministério Público garantir o direito de manifestação. Todo mundo tem direito, sendo político ou não político.
E acrescentou sobre Lula:
— Não quero dizer que concordo com ele, mas ele tem todo direito de se manifestar e de crítica. Ele é um cidadão com direito ao uso da palavra. No meu entendimento foi um processo jurídico, com julgamento jurídico.
O ministro aposentado Carlos Ayres Britto, que presidiu o STF durante boa parte do julgamento mensalão, foi outro a discordar da avaliação de Lula.
— Faz parte da liberdade de expressão, que vigora em plenitude em nosso país, mas não é o meu ponto de vista. Eu entendo que se pode concordar ou não com justiça material do julgamento; não, porém, com a legitimidade dele. Reconhecidamente, foi um julgamento público, juridicamente fundamentado nos votos de cada ministro e com total observância do contraditório.
O ex-ministro acrescentou que, formalmente, não houve recurso quanto a eventual politização do julgamento.
— Não se tem notícia dessa arguida ilegitimidade por parte de nenhuma associação de magistrados, membros do Ministério Público ou de advogados públicos e privados — argumentou.
Em nota, a assessoria do Instituto Lula informou que o ex-presidente mantém a mesma disposição expressa por ele na última sexta-feira, durante entrevista à emissora portuguesa RTP.
Publicado no Globo de hoje. Colaboraram Silvia Amorim e Washington Luiz.

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