Antes de morar em Paris, vivi em cidades, onde meu meio de transporte se resumia ao meu Gol branco 1980. Seu motor era o de um fusca e o imenso volante, duas vezes maior que o original, é até hoje, um mistério para mim. O motor do Gol 1980 era conhecido por seu barulho peculiar, responsável pelo apelido, Gol Chaleira.
Mais do que uma barca velha destituída de charme, esse carro foi o companheiro de muitas aventuras. Éramos como Dom Quixote & Sancho Pança. Apesar do seu problema crônico de bateria, sempre acabava me deixando na porta de casa, sã e salva.
Ao chegar em Paris, órfã do meu fiel escudeiro, tive que adotar – como a maioria dos locais - o metrô parisiense. As primeiras experiências ficaram guardadas na memória até hoje. Nunca tinha visto tantas tribos diferentes reunidas num só espaço. Línguas extravagantes e até então desconhecidas, visuais surpreendentes. Me senti no centro do mundo, no ponto nevrálgico do universo. Um outro planeta.
As 302 estações do metrô parisiense acolhem mais de quatro milhões de viajantes por dia. Algumas estações são modernas, limpas e cheias de charme, como as de Saint-Germain de Près, ou Arts et Métiers (que mais parece um submarino). Outras são sujas, inóspitas e parecem concentrar todos os odores da humanidade.
O número crescente de sem abrigos que se refugiam no metrô é um fator eloquente sobre a crise que o país enfrenta. Eles são jovens, velhos, franceses, estrangeiros, e inofensivos. São os abandonados pelo sistema, os esquecidos, os invisíveis.
Mas o metrô não é somente palco de tristezas. Nesse cenário urbano acontecem também alguns momentos de delicadeza. Na maioria das vezes, graças aos músicos que conseguem atingir, apesar da dura carapaça, a sensibilidade dos passantes.
A vida dos habitantes é condicionada pelo último metrô. Essa viagem derradeira, pode ser (porquoi pas ?), um agradável momento. Tudo depende do estado de espírito do passageiro e dos momentos vividos antes. Acrescenta-se a isso, a quantidade de álcool ingerida. Em função desses elementos, o que era um momento obrigatório, pode se transformar num efêmero momento de poesia.
Na maioria das vezes, esse "último metrô" é uma pedra no sapato. A noite está agradável e a vontade de que ela perdure é grande. Mas por volta da meia noite e meia, tal qual Cinderela, é preciso abandonar a festa e correr para alcançar o último metrô.
Entra-se no vagão com aquela sensação amarga de que tudo o que é bom dura pouco, e o músico, já cansado, oferece uma última canção e seu pó de pirlimpimpim. Você reconhece imediatamente as notas de All of me de Billie H. Como num passe de mágica, você se reconcilia com o último metrô, que te leva, como meu velho Sancho Pança, são e salvo pra casa.
Danielle Legras é jornalista e tem duas grandes paixões, seu métier e Paris. Há dez anos, decidiu unir o útil ao agradável.
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