quarta-feira, 5 de março de 2014

Cartas de Londres: O grandioso hotel Budapeste, por Beatriz Portugal


O saguão do hotel está cheio de mensageiros uniformizados de roxo. Um deles direciona pessoas, a maioria com ar de curiosidade e expectativa, até o balcão para fazer o check-in, onde “formas modernas de comunicação” como celulares são confiscadas. Outro, ao reparar o tênis amarelo ovo de um dos hóspedes, comenta: “Sapatos interessantes. O senhor não é daqui, não é mesmo?”
O hotel, transplantado e recriado da cidade fictícia de Zubrowka para uma antiga fábrica de vidros em Londres, é obra da empresa Secret Cinema, que produz sessões de cinema de imersão. Nesse caso, o grupo trouxe à vida o The Grand Budapest Hotel, novo filme do diretor Wes Anderson que tem estreia mundial marcada para a quinta-feira, dia 7.
No entanto, desde 27 de fevereiro o filme está com uma pré-estreia diferenciada e até o dia 30 de março, pode-se pagar £53,50 (cerca de R$210) pela experiência de se sentir não como um telespectador mas como parte do filme. Por cerca de duas horas antes da sessão de cinema, os hóspedes podem circular pelos quatro andares do prédio de fachada de um rosa pálido descobrindo peculiaridades do hotel.
É possível fofocar com camareiras, dançar valsa, ouvir recitais de poesia, discutir política com damas e cavalheiros e até ser revistado por seguranças que investigam um assassinato.


Além de atores caracterizados, performances e comida temática, o que ajuda a recriar a atmosfera do filme é o fato que a maioria da platéia entra na brincadeira. Ao comprar o ingresso, recebe-se um e-mail com algumas sugestões, como encorajando as pessoas a vestirem-se a caráter, ou seja, na moda dos anos 30.
Homens de terno, chapéu e lenços nos bolsos e mulheres emperiquitadas com luvas e pérolas exploram quartos, salas de jantar, restaurante, bar, spa e teatro. Alguns quartos tem a placa de “não perturbe”, mas é possível espiar por buracos cenas variadas por trás das portas fechadas.
Apesar de sair uma ida cara ao cinema – a média do bilhete do cinema em Londres é £12 (cerca de R$45) – poder mergulhar no mundo colorido e peculiar de Anderson é uma oportunidade única para os fãs do diretor.
Afinal, onde mais se tem a chance de ouvir um conde recitar poesia, se deparar com um caixão coberto de flores e encontrar cavaleiros medievais enquanto se come schnitzel e chucrute?
Para aqueles que desconhecem Anderson e o culto de seguidores do seu trabalho, uma comparação que me ocorre é que seria como recriar Macondo para que os fãs de Gabriel García Márquez pudessem ao vivo e a cores passar algumas horas na cidade interagindo com personagens.
Para muitos, Anderson é um mestre em originalidade que, com uma maneira muito distinta, cria mundos mágicos repletos de humor, estranheza e perspicácia. O The Grand Budapest Hotel em Londres é, inegavelmente, um desses mundos.

Beatriz Portugal é jornalista. Depois de viver em Brasília, São Paulo e Washington, fez um mestrado em literatura na Universidade de Londres e resolveu ficar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário