Honestamente, devo reconhecer: tenho um preconceito. Os rolezinhos me ajudaram a percebê-lo. Para ampla maioria, a moda de invadir shoppings é mais uma das tantas perturbações da ordem mediante ações coletivas que ocorrem no Brasil. Viés oposto, para ampla minoria, tais perturbações são veneráveis expressões de honoráveis movimentos sociais. Voto com a maioria, mas isso não é preconceito. É simples constatação. O meu preconceito aparecerá adiante.
A massa dos rolezinhos está nessa para zoar. Não passa pela cabeça dos jovens a ideia de estarem decapitando Maria Antonieta ou restaurando a República nestes tempos nada republicanos. No entanto, como em todas as mobilizações desse tipo, há alguém mexendo cordéis para que elas aconteçam. Diariamente, jovens entram e saem dos shoppings, Brasil afora, sem qualquer restrição de circulação. E não chegam às centenas, numa determinada hora, em determinado lugar, sem prévia e bem concebida articulação. Existem peritos nessas coisas. Perguntem ao ministro Gilberto Carvalho que ele explica como é que se faz.
Meu recém descoberto preconceito aparece ante o que vem depois da invasão. Ele se ouriça com aqueles que, tão logo os fatos ocorrem, deitam falação sobre apartheid social, racismo, segregação, consumismo, desalmado capitalismo e, claro, preconceito. Com sua vigarice intelectual, essas pessoas despertam em mim, como diria Roberto Jefferson, sentimentos primitivos. Constroem ódios para fazerem política. Entram em dispneia numa atmosfera sem conflito. Então, para produzir luta de classe onde não há, concebem analogias idiotas como esta, que ouvi: "Aconteceria a mesma coisa se fossem centenas de senhoras com bolsas Louis Vuitton?". Ou ainda: "Ah! Se fossem músicos de orquestra para surpreender com um recital seriam recebidos sob aplausos". É claro que seriam recebidos sob aplausos! As pessoas distinguem, sem canseira mental, um espetáculo de uma invasão. Ora bolas! Meu preconceito vai contra os que têm esse delírio de ver preconceito na mais límpida normalidade. Explicam a reprovação aos rolezinhos com frases assim - "É a velha suspeição que, no Brasil, incide sobre quem é pobre, pardo ou preto". Ora, pessoas de todas as condições sociais circulam nos estabelecimentos desse tipo. Lojistas promovem custosas campanhas publicitárias para seduzir seus variados públicos. Disputam-nos entre si com concorrência de preços e de prazos de pagamento. Aliás, tanto os lojistas se interessam em atrair as populações de baixa renda que preferem vender-lhes a prazo para que periodicamente retornem às suas vitrinas e balcões.
Nestes últimos dias, os ideólogos do preconceito entraram em prontidão. No Planalto aconteceu uma reunião de emergência que superou, no interesse das autoridades, até mesmo a chacina no Maranhão. Foi aí que aflorou, ainda mais nitidamente, meu preconceito contra essa mistificação intelectual, de motivação política e ideológica. Experimente, leitor, organizar um rolezinho no Palácio Piratini. Basta um pequeno grupo de pessoas de qualquer cor, pêlo e extrato social, se reunir na esquina da praça para que um pelotão policial, pronto para combate, aflore das entranhas palacianas e se poste diante do prédio em atitude defensiva. E olhe que o Piratini é um bem público! Já o shopping é um negócio privado, uma empresa comercial para centenas de outros negócios e local de trabalho para milhares de comerciários.
Note mais: os que mexem os cordéis dos rolezinhos e os que saem em sua defesa remam o mesmo barco. São estrategistas da destruição, atuantes em todos os setores da vida nacional. Rolezinho, no fundo, é peça do jogo de poder.
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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
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domingo, 26 de janeiro de 2014
ROLEZINHO E PRECONCEITO - Percival Puggina
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