CARLOS VIEIRA
Sugeriu Milton, John Milton, aquele do “Paraíso Perdido”, que o homem conheceu primeiro o ódio para depois conhecer o amor. Em uma de suas afirmações emblemáticas, Madiba, como era chamado afetivamente o nosso Mandela, teve a coragem de dizer que foi aprendendo, a saber, odiar que ele pode desenvolver a capacidade para amar.
Pessoas injustiçadas, maltratadas, agredidas cruelmente, estigmatizadas, excluídas socialmente, e pessoas vilipendiadas, abusadas, desmoralizadas, feridas em seus direitos humanos, são pessoas que habitualmente desenvolvem sentimentos de ódio, ressentimento e desejo de vingança. Algumas por não suportarem as feridas em suas almas desenvolvem uma depressão melancólica, comportamentos homicidas e suicidas. Não foi o caso d Madiba, que usou a experiência para transformá-la em amorosidade!
É comum observarmos quantos injuriados sociais e politicamente desenvolveram ódio, ressentimento, desejo de retaliação e vingança. Vingança com uma fantasia que, vingando anularia a ferida. Doce ilusão! Esse círculo vicioso – ferimento, ódio, ressentimento e vingança perpetua a “lei de talião”, “quem com ferro fere com ferro será ferido”, padrões repetitivos de comportamentos, tanto em nível individual que cria indivíduos perversos assim como em “grupos, gangues e quadrilhas” que tomam o poder alimentados por uma tirania odienta.
Mandela veio de uma condição sub-humana de viver na pele a violência do preconceito racial e social; a exclusão e todas as consequências da “brutalidade da raça branca” culminando com três décadas de amputação de sua vida, recolhida num claustro presidiário, sem benesses nem exceções, mas preso como qualquer preso comum. Ficou enlouquecido? Penso que não, muito embora suponho que suas dores, sua solidão, sua condição sub-humana devem ter produzido em sua alma, bastantes momentos e experiências de ódio, raiva, tristeza e de depressão. Sofreu? Claro que sim, como todo um animal humano engaiolado, privado de sua liberdade vivencia momentos de fúria, desespero e sentimentos de descrença que sobreviverá!
Mandela viveu tudo isso, experimentou o desespero, mas também experimentou a “calma do desespero”. Calma do desespero é uma experiência de viver a loucura sem enlouquecer de fato, e tirar dessa catástrofe soluções alternativas e criativas. Mandela odiou, e aprendeu a lidar com seu ódio sem precisar se transformar num “líder tirânico” ou “messiânico”. Suportou seu ódio, odiou, soube ser astuto e sábio, transformando uma profunda dor na capacidade de reparar em si mesmo o ódio, e desenvolver compaixão, capacidade de perdoar, civilidade e mais do que tudo – capacidade de reconciliar.
Conciliar é um ato de humildade, ou melhor, é uma expressão da humildade como virtude humana. O filósofo francês André Comte-Sponville, em seu livro – “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, referindo-se à humildade, escreve:” A humildade é virtude lúcida, sempre insatisfeita consigo mesma, mas que seria ainda mais se não o fosse. É a virtude do homem que sabe não ser Deus... Está vinculada ao amor à verdade e a ele se submete. Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo”.
Eu diria que a lição de Mandela ao mundo é a lição de governar respeitando os direitos básicos do homem; mediar conflitos sem apelar para a conduta bélica, destrutiva; perdoar os inimigos, mas não perdoar determinadas ideologias fascistas, tirânicas, ditatórias e reativas que usam o poder para ter prazer no triunfo sobre o agressor. Mandela foi e é um gênio, um sábio, alguém que sabe mostrar que o ódio pode necessariamente, não ser explicito e violentamente destrutivo, mas ser transformado naquilo que chamo de “agressividade útil” para construir, reconstruir, perdoar, conciliar e abrir espaço para um mundo menos pautado na beligerância do narcisismo, do egoísmo e do egocentrismo.
Mandela trouxe a paz e a generosidade como elaboração dos seus sofrimentos, sofrimentos profundos; Mandela não usou seu poder para tripudiar; para criar uma “ditadura civil” dos feridos, e sim, para mostrar a todos nós que a humildade, a tolerância, a benevolência, a capacidade de tolerar a frustação sem se transformar num “monstro transformado”, pode ser uma saída sana desse nosso pós-modernismos perverso.
Deixo o caro leitor, usando um belo poema do escritor moçambicano, Mia Couto, in “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”, Editora Caminho, Lisboa, como homenagem ao presidente Mandela:
“Companheiros”
Quero escrever-me de homens/ quero calçar-me de terra/ quero ser/ a estrada marinha/ que prossegue depois do último caminho.
E quando ficar sem mim/ não terei escrito/ senão por vós/ irmãos de um sonho/ por vós/ que não sereis derrotados.
Deixo-vos/ a paciência dos rios/ a idade dos livros que não se desfolham
Mas não lego/ mapa nem bússola/ porque andei sempre/ sobre meus pés/ e doeu-me às vezes viver/ hei de inventar/ um verso que vos faça justiça.
Por ora/ basta-me o arco-íris/ em que vos sonho
Basta-me saber que morreis demasiado
Por viveres de menos/ mas que permaneceis sem preço
Companheiros. (Janeiro 1984.)
Pessoas injustiçadas, maltratadas, agredidas cruelmente, estigmatizadas, excluídas socialmente, e pessoas vilipendiadas, abusadas, desmoralizadas, feridas em seus direitos humanos, são pessoas que habitualmente desenvolvem sentimentos de ódio, ressentimento e desejo de vingança. Algumas por não suportarem as feridas em suas almas desenvolvem uma depressão melancólica, comportamentos homicidas e suicidas. Não foi o caso d Madiba, que usou a experiência para transformá-la em amorosidade!
É comum observarmos quantos injuriados sociais e politicamente desenvolveram ódio, ressentimento, desejo de retaliação e vingança. Vingança com uma fantasia que, vingando anularia a ferida. Doce ilusão! Esse círculo vicioso – ferimento, ódio, ressentimento e vingança perpetua a “lei de talião”, “quem com ferro fere com ferro será ferido”, padrões repetitivos de comportamentos, tanto em nível individual que cria indivíduos perversos assim como em “grupos, gangues e quadrilhas” que tomam o poder alimentados por uma tirania odienta.
Mandela veio de uma condição sub-humana de viver na pele a violência do preconceito racial e social; a exclusão e todas as consequências da “brutalidade da raça branca” culminando com três décadas de amputação de sua vida, recolhida num claustro presidiário, sem benesses nem exceções, mas preso como qualquer preso comum. Ficou enlouquecido? Penso que não, muito embora suponho que suas dores, sua solidão, sua condição sub-humana devem ter produzido em sua alma, bastantes momentos e experiências de ódio, raiva, tristeza e de depressão. Sofreu? Claro que sim, como todo um animal humano engaiolado, privado de sua liberdade vivencia momentos de fúria, desespero e sentimentos de descrença que sobreviverá!
Mandela viveu tudo isso, experimentou o desespero, mas também experimentou a “calma do desespero”. Calma do desespero é uma experiência de viver a loucura sem enlouquecer de fato, e tirar dessa catástrofe soluções alternativas e criativas. Mandela odiou, e aprendeu a lidar com seu ódio sem precisar se transformar num “líder tirânico” ou “messiânico”. Suportou seu ódio, odiou, soube ser astuto e sábio, transformando uma profunda dor na capacidade de reparar em si mesmo o ódio, e desenvolver compaixão, capacidade de perdoar, civilidade e mais do que tudo – capacidade de reconciliar.
Conciliar é um ato de humildade, ou melhor, é uma expressão da humildade como virtude humana. O filósofo francês André Comte-Sponville, em seu livro – “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, referindo-se à humildade, escreve:” A humildade é virtude lúcida, sempre insatisfeita consigo mesma, mas que seria ainda mais se não o fosse. É a virtude do homem que sabe não ser Deus... Está vinculada ao amor à verdade e a ele se submete. Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo”.
Eu diria que a lição de Mandela ao mundo é a lição de governar respeitando os direitos básicos do homem; mediar conflitos sem apelar para a conduta bélica, destrutiva; perdoar os inimigos, mas não perdoar determinadas ideologias fascistas, tirânicas, ditatórias e reativas que usam o poder para ter prazer no triunfo sobre o agressor. Mandela foi e é um gênio, um sábio, alguém que sabe mostrar que o ódio pode necessariamente, não ser explicito e violentamente destrutivo, mas ser transformado naquilo que chamo de “agressividade útil” para construir, reconstruir, perdoar, conciliar e abrir espaço para um mundo menos pautado na beligerância do narcisismo, do egoísmo e do egocentrismo.
Mandela trouxe a paz e a generosidade como elaboração dos seus sofrimentos, sofrimentos profundos; Mandela não usou seu poder para tripudiar; para criar uma “ditadura civil” dos feridos, e sim, para mostrar a todos nós que a humildade, a tolerância, a benevolência, a capacidade de tolerar a frustação sem se transformar num “monstro transformado”, pode ser uma saída sana desse nosso pós-modernismos perverso.
Deixo o caro leitor, usando um belo poema do escritor moçambicano, Mia Couto, in “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”, Editora Caminho, Lisboa, como homenagem ao presidente Mandela:
“Companheiros”
Quero escrever-me de homens/ quero calçar-me de terra/ quero ser/ a estrada marinha/ que prossegue depois do último caminho.
E quando ficar sem mim/ não terei escrito/ senão por vós/ irmãos de um sonho/ por vós/ que não sereis derrotados.
Deixo-vos/ a paciência dos rios/ a idade dos livros que não se desfolham
Mas não lego/ mapa nem bússola/ porque andei sempre/ sobre meus pés/ e doeu-me às vezes viver/ hei de inventar/ um verso que vos faça justiça.
Por ora/ basta-me o arco-íris/ em que vos sonho
Basta-me saber que morreis demasiado
Por viveres de menos/ mas que permaneceis sem preço
Companheiros. (Janeiro 1984.)
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.
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