sábado, 9 de novembro de 2013

Cartas de Seattle: Subserviência, não, por Melissa de Andrade


Amigos de passagem por Seattle ficaram surpresos com a falta de subserviência dos prestadores de serviço locais. Recepcionistas, manobristas e garçons são cordiais, mas tratam você como igual. Ninguém olha para você de baixo para cima. Ninguém age como se estivesse fazendo um trabalho “menor”. Ninguém lhe trata como se você fosse a única pessoa importante no ambiente.
É uma troca. Respeito e educação são esperados tanto de quem paga quanto de quem presta o serviço. Na mesma medida. Chamar “Garçom” em voz alta é considerado grosseiro. Dizer “psst” para chamar a atenção, nem se fala. Levantar a mão e “escrever” no ar, para indicar que chegou a hora da conta, é coisa que nunca vi.
Na hora da gorjeta, não espere receber mais que um sonoro “Obrigado”. Ninguém vai ficar empolgado demais com a sua generosidade. Gorjetas fazem parte do ritual local de pagamento do serviço: você está reconhecendo o profissionalismo do outro. O “Obrigado” contido significa que eles sabem o valor que têm, sabem que fizeram um bom trabalho, e acham mais que natural serem reconhecidos por isso.
A suspeita de uma socióloga conhecida é que o brasileiro é acostumado a ser servido e paparicado. A ser tratado como superior. A tudo funcionar ao redor dele. E que isso só seria reforçado pelas diferenças sociais agravadas pelos salários díspares. Essa seria uma explicação para que, no Brasil, garçom significasse trabalho de pouca qualificação com baixa remuneração.

 

Em outros países, garçons e atendentes podem ser universitários, recém-formados ou gente que está entre um emprego e outro. É o tipo de trabalho que geralmente tem vagas disponíveis e que paga o suficiente para pagar as contas enquanto não surge uma opção melhor. É um trabalho honesto como qualquer outro. Não tem uma conotação de insucesso, como pode ter no Brasil.
A face surpreendente, para mim, é alguém se negar a atender você. “Você não é mais bem-vinda neste estabelecimento”, ouvi o dono do mercadinho dizer calmamente para uma senhora que aparentemente tentava devolver itens comprados em outro lugar. Ela reclamou bastante, falou que ela é que não queria gastar o dinheiro dela naquela espelunca, mas saiu de fininho quando o rapaz disse que ia chamar a polícia porque ela estava atrapalhando os outros clientes.
Poder se dar ao luxo de escolher sua clientela me parece o exemplo-mor da falta de subserviência local.

Melissa de Andrade é jornalista com mestrado em Negócios Digitais no Reino Unido. Ama teatro, gérberas cor de laranja e seus três gatinhos. Atua como estrategista de Conteúdo e de Mídias Sociais em Seattle, de onde mantém o blog Preview e, às sextas, escreve para o Blog do Noblat.

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