quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Cartas de Paris: A rentrée literária, uma invenção francesa

Danielle Legras
No calendário francês, as férias estivais começam em julho e duram aproximadamente um mês. O que significa que enquanto os brasileiros se gelam nos trópicos, os franceses se esbaldam com as altas temperaturas.
Quando as férias chegam ao fim e a rotina retoma seus direitos, a palavra mais usada por aqui é RENTRÉE.
Ela se refere a retomada, a volta. Assim, podemos aplicá-la no sentido de "volta às aulas", "volta ao trabalho" etc. No caso da rentrée literária, o termo se aplica ao período de novos lançamentos. Período que, nessa parte do globo, suscita muitas paixões.
Se você estiver em Paris nessa época do ano, perceberá que as livrarias estarão apinhadas de livros quentinhos recém saídas do forno. Romances históricos, ensaios diversos, livros policiais, biografias, poesia, relatos de guerra, pouco importa o gênero, tem pra todos os gostos.
rentrée literária começa no final de agosto e segue até o mês de novembro. Somente nesse ano, 654 livros terão visto o dia, ou melhor, as estantes dos vendedores.
O entusiasmo mediático em torno deles é tal que o público acaba sendo alvo de avalanches de artigos, matérias, reportagens televisivas. Nesse meio tempo, autores são elevados ao ranking de semi deuses do Olimpo enquanto outros são completamente ignorados.


Críticos literários nos encorajam a ler fulano e esquecer beltrano. Escritores periféricos eoutsiders encontram um lugar ao sol, as editoras mostram a língua para a crise e lançam sucessos de vendas aqui e acolá.
Mas sobretudo, a rentrée literária prepara o terreno para os ilustres prêmios. Eles são numerosos e começam a ser distribuídos a partir da primeira quinzena de novembro.
É o caso do mais antigo e prestigioso, o prêmio Goncourt, criado em 1913 por Edmond Goncourt. Para o(a) autor(a) vencedor(a) o valor simbólico é considerável.
Doravante, ele é visto como alguém que conta na paisagem literária e intelectual. O aspecto comercial também é importante, já que a obtenção de um prêmio dessa categoria pode propulsar um livro à lista dos mais vendidos.
Não sei ao certo, o que isso diz a respeito da sociedade francesa, mas pude observar que a literatura ainda é coisa séria e deveras rentável.
Apesar de tanta euforia, a rentrée literária é considerada como um fenômeno tipicamente francês, pois ela não interessa nem as elites, nem aos leitores estrangeiros.
Em todo caso, é o que afirma Boris Hoffman, que representa inúmeros editores internacionais. Segundo ele "o fenômeno tem pouco impacto no estrangeiro".
Talvez Hoffman tenha razão e a França já não sirva mais como referência cultural para o resto do mundo. Só posso dizer que a rentrée literária ainda faz sonhar escritores, editores e leitores franceses.

Danielle Legras é jornalista e tem duas grandes paixões, seu métier e Paris. Há dez anos, decidiu unir o útil ao agradável. É a nova responsável pela seção semanal Cartas de Paris.

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